Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Correio Braziliense domingo, 16 de dezembro de 2018

LEMBRANÇAS DO PASSADO: À ESPERA DO TREM

 


À espera do trem
 
 
Há 50 anos chegava a Brasília, pela primeira vez, um trem de passageiros. No início da série de reportagens DF sobre trilhos - A glória do passado e a incerteza do futuro, o Correio conta histórias de pessoas para quem esse tipo de transporte significou muito

 

Publicação: 16/12/2018 04:00

 (Arthur Menescal/Esp. CB/D.A Press)  


Expresso de Prata e Minuano, primeiros trens de passageiros, chegam a Brasília (ArquivoCB/CB/D.A Press)  

Expresso de Prata e Minuano, primeiros trens de passageiros, chegam a Brasília

 

 “Toda cidade nasce à margem de um rio, do leito de uma estrada de ferro, de uma rodovia ou à beira do mar. Brasília foi diferente. Nasceu sozinha, no meio do Planalto. Para ter água, o homem fez um lago artificial. Para ter estrada, o asfalto é que veio em sua direção, e como o mar está a mil metros na vertical e a mil quilômetros na horizontal, a solução foi trazer também o trem.”
 
O texto publicado em caderno especial do Correio Braziliense em 24 de abril de 1968 resumia a importância da chegada do trem a Brasília. O meio de transporte era tratado como patrimônio da cidade e aguardado por pelo menos oito anos, quando surgiu a primeira promessa de sua chegada.
 
O fotógrafo Eduardo Roberto Stuckert registrou o momento para a publicação especial. Carregava suas rolleiflex, como de praxe, na pauta mais importante do dia. A cidade parou para ver e o trem não decepcionou: chegou  sem atraso. Delírio, choro, palmas, risos e gritos marcaram o momento. “Vieram a euforia e a emoção”, resume Roberto Stuckert, hoje com 76 anos, que estava ao lado do pai no momento da chegada da locomotiva.
 
Na Brasília repleta de candangos, muitos deles vindos de Minas Gerais e de São Paulo, locais atendidos pela linha férrea, aquele instante representou a esperança. De estar mais perto de casa. De testemunhar o desenvolvimento da cidade que ajudaram a levantar do barro vermelho. Para Stuckert, o filho, o acontecimento foi tão importante quanto o dia da inauguração da nova capital. “O trem foi uma coisa bonita”, afirma.
 
Os moradores, no entanto, só puderam embarcar na locomotiva meses mais tarde. Há exatos 50 anos, em 16 de dezembro, às 12h15, o imponente Expresso de Prata, o mais moderno meio de transporte de passageiros da década de 1960, da então Companhia Mogiana, estacionou na Cidade Livre.
 
Pairava no ar um cheiro adocicado, mistura do aroma de laranja, pipoca e outras comidas vendidas no improviso de grandes eventos. Crianças, mais de 1 mil, corriam pela estação Bernardo Sayão (leia Você sabia?), ao redor e dentro dos vagões, explorando cada centímetro do primeiro trem de passageiros de Brasília.
 
Assim como boa parte da população, Roosevelt Dias Beltrão, 68 anos, hoje comerciante, estava na estação quando o Expresso de Prata chegou. Era gente para todo lado. Mais de 3 mil, segundo os registros da época. “Embarquei no trem algumas vezes. Tinha uma fazenda entre Luziânia e Cristalina (cidades de Goiás próximas de Brasília). Ia de trem pelo prazer de andar de trem. Quando chegava à estação, descia, tomava umas pingas e ia a pé ou chamava alguém para me pegar na rodovia. Era bom demais”, conta.
 
A ligação dele com o Expresso de Prata começou porque o pai, Djalma da Fonseca Beltrão, foi condutor de trem. Era ele quem picotava os bilhetes, fiscalizava os vagões e dava a ordem para a partida. A convite do Correio, Roosevelt refez a viagem, de carro.
 
A primeira parada é a própria estação Bernardo Sayão. Afastados da via, a cobertura e a sequência de bancos de madeira de frente para os trilhos não deixam dúvidas do passado. “Era a chegada do progresso, a ligação de Brasília com São Paulo e com o Rio Grande do Sul. E representou um frete até 40% mais barato. Eu tinha uma adega de vinhos e queijos. As mercadorias demoravam até um mês e meio para chegar. Porém, valia a pena. Foi bom para os negócios de todo mundo.”

Roosevelt e Mário se lembram com carinho da época em que as locomotivas transportavam passageiros (Arthur Menescal/Esp. CB/D.A Press)  

Roosevelt e Mário se lembram com carinho da época em que as locomotivas transportavam passageiros

 



Dorinha e Lázaro se reencontraram na região próxima aos trilhos que chegam ao Distrito Federal (Arthur Menescal/Esp. CB/D.A Press)  

Dorinha e Lázaro se reencontraram na região próxima aos trilhos que chegam ao Distrito Federal

 

 
O progresso chegou
 
Aos 96 anos, Mário de Almeida já fez de tudo um pouco. O primeiro emprego foi na então Estrada de Ferro Central do Brasil. Começou como agente de estação, uma espécie de faz-tudo, e terminou como diretor comercial da Rede Ferroviária Federal, fundada em 1958. Na tarde de 16 de dezembro de 1968, ele estava entre as quase 3 mil pessoas à espera do trem. “Onde chega a ferrovia, chega o progresso. Ouvi isso de um caipira uma vez e nunca esqueci. É a mais pura verdade. O abandono dos trilhos foi uma péssima decisão. É lamentável”, resume o homem de voz firme e passos lentos, apoiados por uma bengala.
 
Ele embarcou uma única vez no Expresso de Prata. De Brasília a Araguari, viajou no vagão leito, com camas. De Araguari para São Paulo, no compartimento com poltronas acolchoadas na cor vermelha. Havia ainda um terceiro vagão, onde as cadeiras eram de madeira. “Tinha restaurante, bebida, era uma viagem muito confortável e tranquila para quem não tinha pressa de chegar”, conta Mário.
 
Saudade
 
Da Bernardo Sayão, a reportagem segue pela BR-040 por aproximadamente 100km. À esquerda, uma estrada estreita e, logo à frente, uma sequência de casas uma ao lado da outra, mesmo modelo, pouca variação nas cores e a poucos metros dos trilhos. É a Estação Calambau. A figura de José Martins Duarte, 80 anos e seis meses, como faz questão de frisar, chama a atenção. Baixo, corpo franzino, chapéu na cabeça e uma enxada na mão, ele arranca o mato próximo do trilho. “Trabalho aqui, não. Plantei umas sementes de abóbora logo ali e estou tirando mato”, resume.
 
Logo outras pessoas aparecem. Entre elas, Dorinha Taveira Rosa e Lázaro Paulino Neto, ambos de 65 anos. Um casal de namorados, cujas vidas se entrelaçaram há mais de 40 anos, mas só se juntaram agora. O finado marido de Dorinha, com quem ela teve dois filhos, era empregado da companhia de trem.
 
Já Lázaro chegou ali com o pai quando tinha apenas 7 anos. “Meu pai era o ‘faz- tudo’ na estação. Aqui fiz amigos, namorei, mas nunca casei. Agora estamos juntos”, conta Lázaro, olhando para Dorinha. “A avó dele, a dona Rita, era benzedeira. Morava ali pra cima”, aponta Dorinha para o alto do morro, agora ocupado apenas pelo cerrado.
 
Dorinha ficou viúva há 28 anos. Saiu da vila, mas não aguentou de saudade do lugar onde viveu quase a vida toda. Voltou para a casa herdada do finado marido e, um tempo depois, reencontrou Lázaro, que vive na residência que foi do pai dele, ex-funcionário da estação. O amor floresceu. “Eu sinto muita saudade (do trem de passageiros). Muita mesmo! Isso aqui era cheio de gente. Tinha o barzinho ali e a bilheteria era lá (diz apontando para dois quadrados na parede)”, relembra Lázaro. “Se ele (trem) voltasse a circular, eu visitaria meu neto em Catalão e meu filho em Brasília. Nossa, eu fico emocionada só de pensar”, completa Dorinha, com a voz embargada.
 
O cheiro de goiaba e manga madura, aos montes nos pés e debaixo das árvores, perfumam o caminho, da primeira casa até o prédio abandonado da estação. Segurando a mão de Dorinha, Lázaro também se emociona. “Os melhores momentos da minha vida, eu vivi aqui.” Ele faz uma pausa, olha em volta, e continua. “Ainda sou muito feliz. Eu a encontrei e estamos bem. Mas olha, menina, esse trem, ele tem que voltar a circular. Ele mexe com isso aqui, traz vida, ajuda a economia do povo.”
 
Quando começam a conversar sobre o passado, Lázaro recorda-se de quando Roosevelt Beltrão frequentava a estação. Eles mencionam pessoas e descobrem que muitas já morreram. “É uma alegria e uma tristeza estar aqui. Reviver os tempos de glória e ver tudo abandonado é lamentável”, diz Roosevelt olhando em direção à sucata de uma máquina usada para levantar os trilhos durante os reparos e uma prancha — nome técnico para uma caixa de metal onde se transporta mercadorias pelos trilhos.


Você sabia?
 
A Estação Bernardo Sayão fica na região administrativa do Núcleo Bandeirante. O local foi um dos principais acampamentos durante a construção de Brasília. Naquela época, era chamado de Cidade Livre. As primeiras casas foram construídas em novembro de 1956 e seu destino era ser um entreposto comercial para fornecer alimentos, equipamentos, materiais de construção e produtos de primeira necessidade e serviços para os candangos. Ganhou o “apelido” de Cidade Livre pela isenção de impostos. Além dessa versão oficial, há outra, contada por quem construiu  Brasília: a qualquer hora que se chegava, o comércio estava aberto e caminhões eram carregados e descarregados de mercadorias, dia e noite.
 
Fonte: Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (Iphan) e relatos orais de pioneiros de Brasília.

Agradecimento: Francisco Lima Filho/Cedoc/CB e Arquivo Público do Distrito Federal
 
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