Uma nova forma de alimentar as cidades tem atraído investidores, cada vez mais interessados em negócios sustentáveis. Nesse cardápio, as chamadas fazendas verticais entraram no radar de fundos de investimento.
São startups que aplicam tecnologia de ponta para cultivar hortaliças e outros alimentos em grandes torres verticais em centros urbanos. A produção utiliza uma área bem menor que a demandada pela produção no campo, consome menos recursos naturais e aditivos químicos e reduz até mesmo o custo e as emissões de carbono do frete.
Esse segmento movimentou US$ 4,1 bilhões (R$ 22,5 bilhões) globalmente no ano passado e deve alcançar US$ 31,5 bilhões (R$ 173 bilhões) em todo o mundo até 2030, segundo a consultoria Prudence Research.
As maiores fazendas verticais estão nos EUA, mas o interesse por esse sistema de cultivo cresce também no Brasil, onde alguns negócios começam a chamar a atenção.
A Pink Farms, em São Paulo, é um deles. Fundada em 2017 como uma das primeiras fazendas verticais da América Latina, produz hortaliças na Vila Leopoldina, Zona Oeste da capital. Desde que se tornou produtiva comercialmente, em 2019, já recebeu R$ 8,8 milhões em aportes de investidores como SP Ventures e Capital Lab.
Em junho, a empresa abriu uma segunda rodada de captação para arrecadar R$ 15 milhões e multiplicar por dez sua produção. Cerca de R$ 5 milhões virão de crowdfunding, modalidade de investimento coletivo em que pessoas físicas também participam.
Alface é carro-chefe em fazendas verticais. — Foto: Edilson Dantas/Infoglobo
Oito funcionários são responsáveis pela produção de três toneladas de hortaliças por mês, cultivadas em uma área de 100 metros quadrados. É uma produtividade por metro quadrado 17 vezes maior do que nas plantações tradicionais.
Trata-se de uma alternativa altamente sustentável para expandir a produção de alimentos livres de agrotóxicos usando até 95% menos água e que pode reduzir a pressão por expansão de áreas agrícolas.
As folhas da Pink Farms são vendidas em embalagens próprias para redes como Pão de Açúcar, Carrefour, Zaffari e Oba, além de hotéis e restaurantes.
O preço ao consumidor é cerca de 10% a 15% maior que o das hortaliças tradicionais, mas deve cair quando a fazenda vertical ganhar escala, diz o engenheiro de produção Geraldo Maia, que fundou a empresa com os irmãos Mateus e Rafael Delalibera.
— Nossa estimativa é faturar até R$ 20 milhões por ano com esse aumento de produção após o aporte — diz Maia.
Além de ampliar as instalações atuais e abrir uma segunda fazenda em São Paulo, a empresa já mira outras capitais como Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre e Recife, e até grandes cidades em países da América Latina.
Alface é carro-chefe
A alface é a principal cultura da empresa, mas de suas hortas dispostas em prateleiras saem 70 produtos, desde sálvia e tomilho até rúcula e espinafre. Também há os chamados microverdes, plantas no primeiro estágio de crescimento que concentram grandes quantidades de vitaminas e minerais.
Especialistas avaliam que esse modelo deve crescer no Brasil no mesmo ritmo de expansão global prevista até 2030.
— As fazendas se encaixam no conceito de agricultura urbana, já que estão localizadas em grandes cidades, agilizando a entrega aos consumidores, além de os produtos chegarem mais frescos. Não têm o objetivo de competir em larga escala com plantações tradicionais — diz o engenheiro agrônomo Sergio Barbosa, gerente executivo da Esalqtec, incubadora de empresas tecnológicas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz.
Fazenda vertical Mighty Greens, que fica em São Cristóvão, produzem em estufas verticais cogumelos. Na foto um dos sócios, Rodrigo Meyer. — Foto: Hermes de Paula/Infoglobo
Em fazendas como a Pink Farms, os vegetais são produzidos em bandejas instaladas em torres de metal de até dez metros de altura. O método de produção mais usado é a hidroponia, uma técnica de cultivar plantas sem solo, onde as raízes recebem uma solução que contém água e todos os nutrientes essenciais ao seu desenvolvimento para compensar a falta de substrato.
O uso de tecnologia é intenso. Todo o ambiente é isolado, automatizado e controlado por um software que regula desde a temperatura ideal até a quantidade de CO2.
Em alguns casos usam inteligência artificial e internet das coisas (IoT, na sigla em inglês). Nessa “bolha tecnológica”, as verduras ficam livres do ataque de pragas e insetos, e o uso de agrotóxicos é descartado.
A iluminação para substituir a luz solar é feita com LEDs. Os comprimentos de onda vermelho e azul são os que mais ativam o processo de fotossíntese. Com a mistura de ambos, a iluminação adquire um tom cor de rosa.
Como as luzes ficam ligadas 24 horas por dia, dependendo do tipo de cultivo, a hortaliça é colhida entre 28 e 40 dias. Bem menos que o intervalo entre 60 e 70 no plantio tradicional.
Cogumelos em três dias
A 100% Livre, fazenda vertical que tem 300 metros quadrados de hortas na Zona Sul de São Paulo, recebeu, em dezembro do ano passado, investimentos da BMPI Venture, braço de venture capital da BMPI Infra.
O fundo comprou 20% da agtech por um valor não revelado. Com os recursos, está prevista a abertura da segunda unidade, ainda este ano, no município de Osasco. Serão mil metros quadrados cultiváveis distribuídos por torres de 18 metros de altura.
Atualmente, a empresa produz 90 mil pés de alface por mês e gasta um litro d’água para cada um. No solo, cada pé de alface gasta cerca de 40 litros d’água até ser colhido.
A nova unidade, além das folhas e temperos, vai produzir tomates do tipo grape, pimentões e morangos. A empresa anunciou na semana passada um acordo com os grupos Pão de Açúcar, Carrefour e Hortifruti para o fornecimento das hortaliças.
— Temos uma parceria com a Embrapa, o que nos permitiu fazer muitos testes em laboratório até chegar ao tomate, pimentão e morango, que se adaptam bem ao cultivo vertical — diz Diego Gomes, que fundou a agtech em 2018, mas só começou a produção dois anos depois.
Pink Farms - fazenda vertical de produção de alimentos sem avançar em novas áreas de produção, usam menos água, menos pesticida. Agora estão em nova rodada de captação de recursos e vão crescer e abrir outra unidade. — Foto: Edilson Dantas/Infoglobo
Apesar do otimismo, o custo elevado da energia e dos imóveis urbanos no país aparecem entre os obstáculos para o desenvolvimento dos negócios.
— É um sistema que depende muito de energia elétrica, que no Brasil ainda é cara, tornando-se um fator relevante no custo dessa produção — diz Simone Mello, professora da USP/Esalq em Piracicaba e pesquisadora do cultivo em sistemas verticais. Ela, no entanto, vê potencial para esse modelo de negócios no país, inclusive para plantas medicinais, como a cannabis.
No bairro de São Cristóvão, na Zona Norte do Rio, os empresários Rodrigo Meyer e Thomas Oberlin começaram em abril a cultivar cogumelos, a maior parte do tipo shitake, também no modelo vertical.
Para fundar a Mighty Greens, investiram R$ 700 mil captados entre investidores-anjo e de venture capital. Eles já tinham experiência no cultivo de microverdes, mas decidiram partir para os cogumelos por uma demanda identificada no mercado no Rio.
— Os cogumelos vinham de outros estados, com frete caro e qualidade ruim. Nossa produção já chega a seis toneladas e vai para restaurantes, supermercados, e uma parte chega ao consumidor final, em feiras. Colhemos em três dias porque o substrato já chega pronto — conta Meyer, que já está preparando uma nova rodada de investimentos, com expectativa de alcançar R$ 10 milhões e expandir o cultivo para outras capitais.
Embalagem orgânica
Para reforçar a pegada sustentável, a Mighty Greens desenvolveu uma embalagem à base de celulose que vira adubo, além de aumentar o tempo de conservação dos produtos. Na parte tecnológica, foi desenvolvido um sistema que controla a produção da fazenda vertical carioca por meio de equipamentos que respondem a comandos de voz.
Em São Paulo, o engenheiro ambiental Paulo Bressiani instalou a Fazenda Cubo no valorizado bairro de Pinheiros, na Zona Oeste da capital.
O empresário ainda construiu uma estufa de mil metros quadrados em Franco da Rocha, na Região Metropolitana de São Paulo, com ambiente controlado e um jardim biodinâmico, focado em ervas aromáticas. Numa área de 60 metros quadrados da estufa, já produz quase 700 quilos de vegetais por mês.
— Temos parcerias com empresas para pesquisar novos sistemas de cultivo. A produção de alimentos está passando por uma grande revisão e busca de novas soluções — diz Bressiani, que também mantém uma loja para vender diretamente os produtos.