» Naum Giló*
Publicação: 25/06/2021 04:00
Laila Garin brilhante no palco vivendo a personagem icônica |
A hora da estrela chega ao palco do CCBB de Brasília, com trilha sonora original assinada por ninguém menos que Chico César. O responsável por dirigir e adaptar o musical, baseado na obra de Clarice Lispector, é André Paes Leme, que tem larga experiência com transcrição de livros para os palcos, os chamados “romances em cena”.
O espetáculo também vai contar com sessões virtuais gratuitas, que vão ocorrer nos mesmos dias e horários das apresentações presenciais, pelos canais do Banco do Brasil e BB Seguros, no YouTube. O musical fica em Brasília até 4 de julho, de quinta-feira a domingo, com sessões às 16h (apenas sábado e domingo) e 19h. Os ingressos podem ser adquiridos pelo site do Eventim.
A hora da estrela ou O canto de Macabéa reúne artistas de peso para celebrar o centenário de Lispector. Estrelando como a protagonista Macabéa, e uma das grandes vozes do teatro musical brasileiro, Laila Garin se viu com o desafio de interpretar uma personagem cuja personalidade difere bastante dos papéis que tem feito ultimamente na sua premiada carreira. “Foi uma dificuldade. Macabéa entra em contradição com as personagens que fiz ultimamente, que são bélicas, combativas. Macabéa é delicada e grata pela vida, mesmo quando é maltratada”, analisa a atriz.
Em 2013, Laila estreou o Elis — o musical, no qual incorporou a irreverente, impulsiva e desbocada cantora, que deslumbrou o Brasil dos anos 1970. Mais tarde, a atriz daria voz à inconformidade de Joana, no espetáculo Gota d’água, tragédia musical de Chico Buarque e Paulo Pontes.
Macabéa é bem diferente de Elis Regina e de Joana. A imigrante nordestina se contenta com uma existência medíocre no Rio de Janeiro. Ganha menos do que um salário, divide um quarto com quatro pessoas, sofre com um chefe rigoroso e não atrai a atenção de ninguém. Sua vida na cidade é marcada pela ausência de afeto e poesia.
Lançado pouco tempo antes da morte da autora, em 1977, A hora da estrela é a obra mais social de Clarice Lispector. “Macabéa representa as pessoas invisibilizadas, como índios, negros, mulheres e pobres. Ela fala de bondade e empatia. Fala de solidão, que cabe muito no momento que vivemos hoje”, observa Laila Garin, que também interpreta o papel da atriz que narra a história. Na obra original, esse papel é feito pelo escritor Rodrigo S.M., que narra a vida da jovem na tentativa de se livrar do mal-estar que ela representa e que o contagia, ao mesmo tempo em que se apieda e se revolta.
“A angústia vivida pelo personagem do escritor, a meu ver, faz uma aproximação direta com o olhar do leitor. No caso do teatro, me pareceu natural que esse lugar fosse ocupado pela personagem da atriz e que seria imprescindível manter a sua reflexão”, explica o diretor André Paes Leme. “Se na literatura o escritor fornece as palavras, no palco é a atriz que empresta o seu corpo e a sua emoção para dar vida ao personagem. É a atriz que revela ao espectador a dor e o prazer de ser Macabéa”, esclarece.
Sobre o processo de adaptação do livro para o teatro, Paes Leme ressalta que é preciso levar em conta a autonomia dramatúrgica em relação à obra literária original. Ele sustenta que a pretensão de abarcar todas as possibilidades que um romance oferece pode gerar uma “perda de concentração de ação”, o que pode enfraquecer o acontecimento teatral, cuja apreensão é muito dinâmica e efêmera. “A busca por uma fidelidade pode mesmo impedir o melhor resultado. É quase uma obrigação artística que a versão cênica de um romance cometa traições, algumas até profundas, para que alcance uma identidade própria, pois ela sempre será uma releitura. Mas, no nosso caso, não tenho dúvidas de que temos um resultado bem fiel ao romance”, antecipa o diretor.
Trilha sonora original
Assinadas por Chico César, com arranjos e direção musical de Marcelo Caldi, as músicas pontuam toda a dramaturgia e aparecem para ilustrar o estado emocional e o interior de cada personagem, trazendo alguma fantasia para existências tão opacas presentes no romance de Lispector.
Não é a primeira vez que Chico César une a sua genialidade musical com o universo do teatro. Em 2017, o paraibano assinou a trilha de Suassuna — O auto do Reino do Sol, ao lado da Cia. Barca dos Corações Partidos, trabalho que lhe rendeu uma série de prêmios e indicações, entre eles o Prêmio da Música Brasileira pelo álbum.
“O encontro com Chico César foi especial, e o trabalho foi primoroso. A sua música é essencialmente dramaturgia. Ele tinha uma visão muito sensível sobre a obra e sabia o que era fundamental ser dito em cada composição”, lembra André Paes Leme. “No início do processo de elaboração da dramaturgia, indiquei as passagens literárias que poderiam ser contadas por meio das músicas. Em cada uma dessas, ele propôs uma verdadeira viagem musical. Nossa história é contada e também muito bem cantada”, detalha o diretor.
Pandemia
Embora seja possível traçar paralelos entre a história de Macabéa e o momento que vivemos hoje, o musical A hora da estrela estreou ainda em março de 2020, no Rio, antes das medidas de restrição serem decretadas por todo o país. Este ano, o espetáculo voltou para o contato direto com o público, mas de maneira totalmente segura, seguindo todas as regras sanitárias de prevenção ao coronavírus.
No palco, os atores contracenam usando máscara e com as marcações modificadas para manter o distanciamento entre eles. O teatro do CCBB estará funcionando com 40% da capacidade, fluxo único de circulação, medição de temperatura, uso obrigatório de máscara, disponibilização de álcool gel e sinalizadores no piso para o distanciamento.
Para os que preferem prestigiar o espetáculo em casa, as sessões virtuais são transmitidas nos mesmos dias e horários das apresentações presenciais. A vantagem para quem optar assistir virtualmente ao musical é que os atores atuam sem máscara e com as marcações originais, sem o distanciamento.
*Estagiário sob a supervisão de José Carlos Vieira