27 de novembro de 2020 | 05h00
Na última vez em que Kurt Russell e Goldie Hawn estrelaram juntos um filme, o Muro de Berlim estava intacto. Mais de 30 anos se passariam desde a comédia Um Salto para a Felicidade (1987), estrelada pelo casal, até que a dupla voltasse a trabalhar junto nas telas: a primeira tentativa foi uma breve participação de Goldie no filme de Natal que Russell estrelou para a Netflix em 2018, Crônicas de Natal, e agora eles voltam com força total para a sequência, Crônicas de Natal – Parte 2 (Netflix, que estreou na quarta, 25), sob a direção de Chris Columbus.
Desta vez, a Mamãe Noel de Goldie Hawn divide os holofotes com Russell – um “Papai Noel mais atualizado, que tem até um lado sexy”, nas palavras dela – e o casal ajuda duas crianças a frustrar os planos de um vilão do Polo Norte.
Ser a cara do Natal parece um destino digno desse casal, junto há 37 anos. Depois de se conhecerem em um set de filmagens em 1966, os dois começaram a namorar em 1983 durante as filmagens de Amor em Perigo e logo formaram uma espécie de Família Dó Ré Mi de celebridades. Sem nunca terem se casado, eles criaram os atores Kate e Oliver Hudson – filhos do casamento de Goldie com Bill Hudson –, que se referem a Russell como “Pa”. O casal também teve um filho, o ator Wyatt Russell (Kurt tem outro filho, Boston Russell).
Mais recentemente, Goldie, que completou 75 anos no dia 21 de novembro, e Russell, 69 anos, têm procurado um ao outro durante a pandemia, fazendo caminhadas mascaradas por Los Angeles e filmando enérgicos vídeos domésticos para o Instagram – os destaques incluem Russell fazendo cócegas em Goldie durante um “desafio do riso” e Goldie dançando na cozinha ao som de Hey Ya, do Outkast. “Gosto de dançar com Goldie de vez em quando, mas você nem imagina o quanto acho as redes sociais enfadonhas”, afirmou Russell.
Para a nossa conversa por vídeo em outubro, os dois estavam no pátio de sua casa em Pacific Palisades. As lentes dos óculos de Russell escureceram com o sol da tarde; Goldie fez pausas para acariciar e mandar beijos para o cachorro ou para esfregar as costas de Russell na tentativa de fazê-lo mudar de assunto. Poderiam ser o vovô e a vovó que moram na sua rua, se os avós da sua rua fossem astros de Hollywood com direito a suas próprias estrelas na calçada da fama de Hollywood.
É a primeira vez que estrelam juntos um filme desde 'Um Salto para a Felicidade'. Por que tamanha demora?
Goldie Hawn: Material! É sério, o maior problema foi encontrar o material certo, que não apareceu durante todo esse tempo.
Kurt Russell: Pensei que voltaríamos a trabalhar juntos muito antes disso, mas Goldie e eu somos exigentes. E, em geral, filmes estrelados por Goldie Hawn e filmes estrelados por Kurt Russell costumam ser bem diferentes entre si.
Goldie: É verdade.
Kurt: Não existe uma regra dizendo que, quando vivemos com uma pessoa, moramos com ela e gostamos de trabalhar juntos, temos que fazer 10 ou 15 filmes em dupla.
Papai e Mamãe Noel se comunicam com os duendes falando a língua yulish, criada especificamente para esses filmes. Foi um desafio?
Kurt: Tem um sujeito que transcreve tudo foneticamente para nós, basta ler. Não fazíamos ideia do que estávamos dizendo!
Goldie: Ele diz que é uma linguagem, mas, para mim, são apenas sons.
Kurt: Não é apenas um detalhe. Nunca vou esquecer de quando vi A Paixão de Cristo. Mel Gibson descobriu algo que ninguém mais se deu conta durante todo o tempo em que produzimos filmes de guerra: quando estamos retratando algo histórico, ou mais especialmente no caso da Bíblia, se isso é feito no idioma original, o resultado ganha muito em autenticidade. Quando eu vi isso e li esse roteiro, pensei, a língua dos elfos dará um toque de autenticidade ao filme.
Como é a dinâmica de trabalho quando vocês estão juntos? Usaram o método de atuação para interpretar Papai e Mamãe Noel?
Goldie: Só encarno a Mamãe Noel quando visto o figurino. Depois da cena, deixei-o pendurado em um cabide e fomos tomar um drinque com sopa de cogumelos, só isso.
Kurt: Somos antiquados. Temos nossa rotina de trabalho, mas, quando voltamos para casa, não a deixamos dominar nossa vida.
Goldie: O mais divertido é que estávamos só nós dois no camarim fazendo a maquiagem. Estávamos sempre ao lado um do outro. E o seu maquiador sempre tinha docinhos.
O Natal parece ser uma ocasião importante no lar dos Hawn-Russell, não?
Goldie: Você nem imagina; e não é apenas o Natal. Este ano passaremos aqui, mas, normalmente, vamos a Aspen. É uma fantasia: a neve, as crianças e toda a decoração ao redor da lareira. E Kurt vestido de Papai Noel…
Kurt: Tenho que ser cuidadoso com o que digo, pois tenho netos que lerão isso.
Goldie: Ah, claro. Bem, duvido que eles leiam esta entrevista no jornal.
Kurt: Sei, sei. Depois do jantar de Natal, alguém lê Uma Visita de São Nicolau, e então acompanhamos o trajeto do Papai Noel pelo aplicativo. A partir de então, é melhor deixar tudo em ordem porque ele pode aparecer a qualquer momento.
Goldie, você foi criada em uma família judaica. Ainda observa as tradições do Chanuká?
Goldie: Na infância, acendíamos velas no Chanuká, mas acho que minha mãe parou com isso, pois um dia eu estava no telefone e esbarrei nas velas acesas. Lembra dos telefones fixos de parede? Eu me enrosquei no fio e peguei fogo. Meu roupão e minhas costas ficaram queimados. Minha mãe chegou, eles me desenrolaram, e graças a Deus fiquei bem.
Vocês viram a indústria passar por muitas mudanças. O que pensam sobre Hollywood em 2020?
Goldie: Estamos todos tentando entender o que fazer. Quero dizer, temos o exemplo da AMC, cujos recursos estão se esgotando. Quando vemos o pessoal do cinema envolvido na campanha para salvá-la… Não há nada igual. É uma tristeza pensar que possa acabar.
Dito isso, a disponibilidade de conteúdo atual é maior do que nunca e, além disso, há espaço para esse material. Há muitas pessoas talentosas. Por exemplo, a série Succession, que tem excelente atuação. Mas, vendo tudo isso, eu me pergunto se ainda existirão estrelas de cinema. Parece algo do passado, estrelas glamourosas do cinema trabalhando em filmes que mal podíamos esperar para ver. Não sei se teremos isso novamente. O que acha?
Kurt: Eu me pergunto se haverá espaço para isso. Sem o devido espaço, não há como criar estrelas de cinema. Esse aspecto cultural tem que ser favorecido.
Falando em espaço, Kurt, no passado você disse que as celebridades não deviam opinar muito na política. Ainda pensa assim?
Kurt: Totalmente. Sempre fui da opinião de que somos bobos da corte. É o que fazemos. E, para mim, devemos evitar situações em que dizemos algo marcante para que o público possa nos enxergar como qualquer personagem. Não há razão pela qual quem trabalha com entretenimento não deveria se educar e aprender como qualquer outra pessoa, seja qual for o tema. Mas o que acho lamentável é perder o status de bobo da corte. E eu sou um bobo da corte. Foi o que nasci para fazer.
Goldie: Nem sempre você consegue ser engraçado.
Kurt: O bobo da corte não é sempre engraçado. O bobo da corte é o único que pode entrar no castelo e criticar o rei, desde que não exagere na sinceridade. Me parece que essa é uma parte muito importante das culturas ao longo da história.
Goldie: Mas tivemos um presidente que era ator, Ronald Reagan.
Kurt: Como eu disse, os atores podem aprender tanto quanto qualquer pessoa.
Goldie: Bem, estou dizendo que Reagan era um ator conhecido. Me parece que esse tipo de envolvimento é uma escolha pessoal. O que eu discordo é a ideia segundo a qual o fato de termos uma plataforma significa que temos que usá-la sempre. Isso é uma escolha nossa.
O que ainda querem fazer em suas carreiras antes da aposentadoria?
Goldie: Eu não tenho nenhum sonho que eu pense em realizar atuando. Quero uma vida feliz, e já tenho isso. Quero conhecer o mundo, mas, no momento, não é possível. Se vier pela frente um filme interessante, o trabalho pode ser divertido. Caso contrário, quero estar com os meus netos.
Kurt: Ainda me divirto atuando. Não sei bem por quê. A essa altura, a diversão já devia ter acabado.
Goldie: Acho que estamos diante de uma realidade, e talvez ela não se aplique tanto a Kurt ou a tipos de homens que fazem determinados tipos de filmes. Mas, para pessoas que tiveram carreira como a minha, é preciso cair na real. O tempo que temos para fazer o que queremos é finito.
Kurt: Estou mais interessado na carreira dos meus filhos do que na minha.
Goldie: Oliver está trabalhando no piloto de uma série e, se tudo der certo, meu neto também participará. Então, se tudo der certo, eu disse: “Tem alguma mãe que visita essas pessoas de vez em quando? Alguém quer me contratar como mãe de Oliver e avó de Bodhi?”. Ou seja, estou interessada no lado divertido, e não na carreira. Sou grata pela carreira que tive. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL