JULIETA DOS SANTOS
A IDEIA AO INFINITO
À distinta e laureada atrizinha Julieta dos Santos
"...A fama de teu nome, a inveja
não consome, o tempo não destrói!...”
Dr. Symphronio
Era uma coluna de artistas!...
Ao lado Tasso
Medindo as múltiplas conquistas
Co’as amplidões do espaço!...
Seguia-se João Caetano
Embuçado da glória no divinal arcano!...
Depois Joaquim Augusto
Altivo, sobranceiro, erguido o nobre busto.
Depois Rachel, Favart,
Fargueil, a espadanar
Nas crispações homéricas da arte,
Constelações azuis por toda a parte!
E em suave ondulação os astros
Iam de rastros
Roubar mais luz às rúbidas auroras!...
Quais precursoras
Do mais ingente e mago dos assombros,
Do orbe imenso nos calcários ombros,
Rola um dilúvio, um grande mar de estrelas
Que lançam chispas cambiantes, belas!...
Há um estranho amalgamar de cousas
Como os segredos funerais das lousas
Ou o rebentar de artérias
— Ou o esgarçar de brumas,
Negras, cinéreas
— Ou o referver de espumas,
Nas longas praias
Alvinitentes, mádidas, sem raias.
Do brônzeo espaço,
Das fibras d'aço
Como que desloca-se um pedaço
Que vai ruir com trépido sarcasmo
Nas obumbradas regiões do pasmo...
— O Invisível
Geme uma música, lânguida, saudosa,
Que vai sumir-se na entranha silenciosa
Do impassível!
— O Imutável
— O Insondável
La vão cair no seio do incriado.
E o bosque irado
A soletrar uns cânticos titânios
Lança nos crânios
Aluvião de auras epopeias
Tétricas ideias!...
E o pensamento embrenha-se nos mares
E vê colares
De níveas pérolas, límpidas, nitentes
E vê luzentes
Conchas e búzios e corais, — ondinas
Que peregrinas
Aspásias são de lúcida beleza,
De moles formas, desnudadas, brancas
Sendo a primesa
Dessas paragens hiemais e francas!...
— Ou quais Frinés
A quem aos pés
O mundo em ânsias, reverente adora
E chore e chora!!...
....................................................
Mas a ideia o pensamento insano
As asas bate em busca de outro arcano,
E o manto rasga do horizonte eterno
Vai ao superno
Ao Criador, ao Menestrel dos mundos!
E n'uns arroubos, rábidos, profundos
Em luta infinda
— Oh! quer ainda
Quer escalar o templo do impossível,
Bem como um raio abrasador, terrível!...
Quer se fartar de maravilhas loucas,
Quer ver as bocas
Dos colossais Anteus da eternidade!...
Quer se fartar de luz e divindade
E de saber,
Depois jazer
Nas invisíveis dobras do insondável,
Bem como um verme, mísero, imprestável!...
— Ou quer ousado
Descortinar os crimes do passado
E apalpar as gerações dos Gracos
Dos Espartanos
E dos Troianos
E dos Romanos,
Dos Sarracenos
E dos Helenos,
E esbarrar nesse montão de ossos
Por esses fossos
Tredos, medonhos, sepulcrais e frios
Onde sombrios
Andam espíritos de pavor, errantes
E vacilantes
Como a luzinha das argênteas lampas,
Lentos e lentos através das campas!...
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Mas a ideia, o pensamento audaz
Quer ainda mais!...
Quer do ribombo do trovão pujante
Já n’um esforço adamastório, tredo
Embora a medo,
— O atroz segredo
Com que ele faz a terra palpitante!...
E quer dos ventos
Dos elementos
Quer do mistério a solução! — Nas trevas
Hórridas, sevas,
A gargalhada
Ríspida, negra irônica, pesada,
Estruge enfim, da morte legendária,
E a ideia vária
Ainda n'isso ousando penetrar,
Tenta sondar!...
E em vão, em vão
A mergulhar-se em tanta confusão
Não mais compreende
— O que saber pretende!...
Assim, oh! gênio,
Na ofuscadora auréola do proscênio
Não sei se és astro, se és Esfinge ou mito,
Se do infinito
Possuis o encanto, os esplendores grandes,
Ou se dos Andes
Águia tu és, ou és condor divino,
— Ou és cometa de cuja cauda enorme
É multiforme
Só lágrimas de prata
Ou mesmo se desata
Um vagalhão de palmas, diamantino!!...
Minh’alma oscila e até na fronte sinto
Medonho labirinto,
Estúpida babel,
E vou cair, revel
No pélago sem fim dos nadas materiais!...
E como os racionais
Eu fico a ruminar ainda umas ideias
De erguer-te, o novo Talma
Um trono singular, mas feito de — Odisseias
De brancas alvoradas,
Olímpicas, nevadas,
Dos êxtases magnéticos, nervosos de minh'alma!