13 de dezembro de 2020 | 19h53
O lendário escritor britânico John Le Carré, que se inspirou em suas próprias experiências como espião para criar algumas das melhores obras de intriga da literatura no século 20 como O Espião que Saiu do Frio, morreu aos 89 anos após uma breve doença, informou seu agente literário, Jonny Geller. O homem cuja imaginação criou personagens como o agente George Smiley, um ícone da Guerra Fria, morreu de pneumonia, na noite de sábado, 12, em um hospital na Cornualha (sudoeste da Inglaterra).
Durante muitos anos, John Le Carré, cujo nome verdadeiro era David Cornwell, foi o eminente autor de livros sobre espionagem. Com a derrubada do Muro de Berlim, no ano de 1989, e o fim da Guerra Fria, passou-se a acreditar que ele não teria mais assunto para escrever. O próprio Carré declarou, em uma entrevista: “Tive a impressão de ler meu próprio obituário”. Mas a verdade é que o autor inglês nunca sentiu falta de material, escrevendo vários livros sobre conflitos e corrupção, sempre que se deparava com isso em governos e em empresas. Pode-se dizer que foi o escritor de livros de espionagem que saiu do frio.
Nascido em 19 de outubro de 1931, em Poole, na Inglaterra, ele trabalhou no corpo diplomático britânico entre 1960 e 1964, notadamente nos serviços secretos. Sua experiência terminou repentinamente quando o agente duplo britânico Kim Philby denunciou a identidade de dezenas espiões. Revelado, Cornwell logo assumiu a ficção para dar vazão ao maravilhoso mundo secreto em que habitou durante certo tempo – foi na seção operacional do MI5 que ele conheceu o escritor de livros de mistério e crime John Bingham, que primeiro o encorajou a escrever.
O primeiro livro, O Morto ao Telefone, foi lançado em 1961. Logo foi seguido por Um Crime Entre Cavalheiros (1962) e depois aquele que o tornou referência na literatura de espionagem, O Espião que Saiu do Frio (1963) – como ainda era um espião ao publicar essas obras, ele adotou o pseudônimo e assim permaneceu, escolhido porque gostou do som vagamente misterioso. “Em clássicos como este, além de O Espião que Sabia Demais e Sempre um Colegial, Le Carré combinou uma prosa concisa, mas lírica com o tipo de complexidade esperado na ficção literária”, observa Jill Lawless, da Associated Press. “Seus livros lutam contra a traição, o compromisso moral e o custo psicológico de uma vida secreta. Com o silencioso e vigilante espião George Smiley, ele criou um dos personagens icônicos da ficção do século 20 – um homem decente no centro de uma teia de engano.”
De fato, seus thrillers de espionagem estabeleceram uma atitude que se tornou conhecida como “equivalência moral”: a ideia de que o comportamento de ocidentais e soviéticos no jogo da espionagem era igualmente suspeito ou igualmente justificável. Com o fim da Guerra Fria, Le Carré, assim como outros escritores, saiu em busca de outro inimigo do mesmo quilate que os agentes de Moscou, até descobrir que os vilões estavam no mesmo sistema que ajudou a apoiar para derrubar o comunismo.
Destaque dessa fase o romance O Jardineiro Fiel (2001), levado ao cinema por Fernando Meirelles. “O que ele fez foi trazer algo da paixão insana de Cidade de Deus, que me remeteu a Dante e a Goethe, para O Jardineiro Fiel”, disse Le Carré ao Estadão, em 2005. O livro se passa no Quênia e contém uma dura invectiva contra as indústrias farmacêuticas. “Muitas das notícias que recebemos não passam de ilusão”, continuou. “Assim, acredito que não é apenas social mas principalmente patriótico revelar a forma como estamos sendo subjugados.”
A notícia de sua morte logo provocou lamentos. “Este ano terrível vitimou agora um gigante literário e um espírito humanitário”, tuitou o romancista Stephen King. Já Margaret Atwood disse: “Lamento saber da sua morte. Seus romances estrelados por Smiley são a chave para a compreensão da metade do século 20”. / COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS