Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

O Globo sexta, 11 de junho de 2021

JOÃO SANDANHA: O TÉCNICO DA SELEÇÃO BRASILEIRA DEMITIDO OR CONTRARIAR UM PRESIDENTE

 

João Saldanha: O técnico da seleção brasileira demitido por contrariar um presidente

 

O então treinador da seleção brasileira, João Saldanha, em janeiro de 1970
 

 

O clima na seleção brasileira não estava nada bom quando João Saldanha reuniu os jogadores e a comissão ténica no gramado do Itanhangá Golfe Clube, em São Conrado, no Rio, para tentar apaziguar os ânimos. "Vocês devem estar lendo muita coisa nos jornais, mas é preciso que saibam que eu não pedi demissão e nem vou pedir", disse o treinador gaúcho na tarde daquela terça-feira, 17 de março de 1970: "Fui convidado para o cargo e levo o barco até o fim, se quiserem".

 Por volta das 19h do mesmo dia, em reunião na sede da Confederação Brasileira dos Desportos (CBD), o dirigente Silvio Pacheco comunicou a decisão do presidente da entidade, João Havelange, de "dissolver" a comissão técnica, semanas antes da viagem para a Copa do Mundo do México. No estacionamento do prédio, em conversa com repórteres ávidos por informações, Saldanha reagiu à notícia com a sua peculiar ironia: "Dissolver, não, porque não somos sorvetes", disse ele. "O que aconteceu é que fomos demitidos", concluiu, antes de dar a partida em seu Volkswagen.

 

Treino da seleção brasileira no Itanhangá Golf Clube, em 1970
 

 

O jornalista nascido em Alegrete, no Rio Grande do Sul, não era uma pessoa fácil no trato. Intransigente e irrascível, arrumava encrenca com quer que fosse e era capaz de trocar tiros quando pisavam em seus calos. Mas, louco por futebol, tinha um conhecimento invejável sobre o esporte e comunicava muito bem a sua forma de ver o jogo. Ex-jogador do Botafogo, tornou-se um dos comentaristas mais populares do país, que não se abstinha de fazer críticas severas quando os negócios de cartolas interferiam com o que acontecia entre as quatro linhas.

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Em fevereiro de 1969, a CBD causara surpresa ao anunciar Saldanha para conduzir o escrete brasileiro nas eliminatórias da Copa que seria disputada no ano seguinte, no México. Além do inusitado que era um comentarista esportivo sem papas na língua à frente da seleção, o cronista gaúcho havia sido militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), perseguido pela ditadura militar vigente na época. "No Brasil, é preciso coragem, muita coragem, para escolher o homem certo", elogiou Nelson Rodrigues em sua coluna no GLOBO. "A partir do momento em que escolheu João Saldanha, Havelange descobriu, ao mesmo tempo, o caminho da vitória".

 

João Saldanha no jogo no empate entre Brasil e Bangu, em março de 1970

 

 Nelson chamava Saldanha de "João sem medo". O treinador mandou às favas o conhecido apelido de "seleção canarinha" e avisou que montaria um "time de feras". Seu elenco tinha como base as equipes do Santos e do Botafogo e, portanto, valia-se do entrosamento entre os jogadores dos dois melhores times em ação naqueles tempos. Sob a sua batuta, o escrete formado por craques como Pelé, Tostão e Gerson obteve uma sequência histórica de seis vitórias em seis jogos das eliminatórias, garantindo com facilidade uma vaga no Mundial de 1970.

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Tudo parecia estar pronto para a sonhada conquista da Taça Jules Rimet, após a campanha pífia na Copa da Inglaterra, em 1966. Mas havia uma tempestade a caminho. Saldanha jamais escondera suas críticas ao governo militar. Em entrevistas após a abertura política, chamaria o então presidente da República, Emílio Garrastazu Médici, de "maior assassino da história do Brasil". Em janeiro de 1970, no sorteio dos grupos da Copa, no México, ele entregou a representantes de diversos países um dossiê citando os mais de 3 mil presos políticos e centenas de opositores torturados e assassinados pelo regime. O Brasil vivia, então, o período mais violento da ditadura militar. O Ato Institucional 5 (AI-5) estava em pleno vigor.

 

Ao lado do então ministro da Justiça, Gama e Silva, o locutor Alberto Curi lê o Ato Institucional nº 5

 

 O governo dos generais estava em franca campanha para se aproximar da seleção. Queria faturar apoio público com o eventual êxito do time no México. No dia 8 de março, um repórter assuntou Saldanha sobre uma entrevista em que o presidente Médici manifestou sua vontade de ver o atacante do Atlético-MG Dario José dos Santos, o Dadá Maravilha, convocado para a seleção brasileira. Foi quando o treinador respondeu com uma declaração célebre que, nos bastidores, viria a selar sua demissão: "O presidente escala o ministério, e eu escalo a seleção". 

O "atrevimento" coincidiu com uma fase em que a equipe vinha sendo questionada na imprensa. No dia 4 de março, o Brasil perdera de 2 a 0 para a Argentina durante um amistoso em Porto Alegre, com Médici presente no estádio. Quatro dias depois, a seleção deu o troco, vencendo os rivais por 2 a 1 no Maracanã, no Rio, outra vez sob os olhos do general presidente, que assistiu ao jogo com radinho de pilha no ouvido. Entretanto, no dia 14 do mesmo mês, o time empatou em 1 a 1 com o fraco elenco do Bangu Futebol Clube. A crônica daquela partida publicada pelo GLOBO criticou um elenco "sem padrão, sem ritmo e sem condição física satisfatória".

 

Pelé de carona em carro da Polícia Civil no Clube Itanhangá, no Rio, em 1970

 

Outros elementos serviram de argumento para a demissão de Saldanha. Na noite de 12 de março, em um de seus arroubos de fúria, o técnico entrou armado e berrando impropérios na concentração do Flamengo, na Rua Jayme Silvado, em São Conrado, no Rio, para tirar satisfação do treinador rubor-negro, Dorival Knipel, também chamado de Yustrich, que horas antes ofendera duramente Saldanha em entrevista no rádio. O clube carioca reagiu exigindo da CBD um pedido público de desculpas e ameaçando entrar na Justiça contra o "invasor". Dias depois, o presidente da comissão técnica, Antônio do Passo, pediu demissão criticando a falta de padrão de jogo e de "tranquilidade" no ambiente da seleção. Crise instalada.

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Para completar, no dia 16 de março, Saldanha revelou que não escalaria Pelé para um amistoso contra o Chile, dali a seis dias, em São Paulo. Havia especulações de que o craque do Santos não estava enxergando bem à noite. Ainda assim, o técnico foi bastante questionado. Ao justificar sua decisão, ele proferiu um termo racista que não seria tolerado nos dias de hoje: "Cheguei à conclusão de que o crioulo está mal e precisa descansar um pouco mais para voltar a sua melhor forma". Horas mais tarde, na derradeira reunião na CBD, Saldanha foi demitido com toda a comissão técnica. Zagallo foi escolhido como o novo treinador, pregando "humildade" no comando. No dia 20 de março, Dadá Maravilha chegava ao Rio para treinar com a seleção.

 

Dadá Maravilha observado por Zagallo em treino da seleção, em 1970

 

 Lendo os jornais daquela época, não há pistas de que a influência de Médici pesara na demissão de Saldanha. O próprio ex-treinador, em seus artigos diários publicados no GLOBO, não classificou o conflito público com o presidente como motivo para sua saída, alegando que a demissão fora provocada mais por seus constantes embates com cartolas do Brasil e da Europa. Mas, hoje, sabemos que a imprensa estava sob rígida vigilância, com a presença de censores do governo nas grandes redações para filtrar quaisquer notícias prejudiciais à imagem do regime. Após o fim da ditadura, em 1985, a verdade veio à tona.

Em 25 de maio de 1987, Saldanha foi entrevistado no programa "Roda Viva", da TV Cultura. Ele revelou que sabia que seus dias na seleção estavam contados quando Médici assumiu a presidência, em outubro de 1969, após a morte de seu antecessor, Artur da Costa e Silva. Segundo o jornalista esportivo, com Médici, "começou a pressão". Saldanha disse que Havelange chegou a implorar: "Pelo amor de Deus, chama o Dario que a gente fica bem com os homens". Mas que ele, então, respondia, "Havelange, não adianta se abaixar, quanto mais a gente se abaixar, mais eles vão malhar". Ainda de acordo com o ex-treinador, ele deixou claro que Dario não seria convocado: "Aí, pronto, me mandaram embora".

Em 2014, numa entrevista à "Rádio Gaúcha", o próprio Dadá Maravilha reconheceu a influência de Médici tanto em sua convocação para a Copa do México quando na queda do treinador que se recusava a chamá-lo. "O presidente falou que eu tinha que ser convocado e mandou tirar o Saldanha. Quem me contou isso foi o João Havelange, então presidente da CBD. Aí, o Havelange botou o Zagallo e ele disse: ‘eu conheço a fera, ele merece’. Fico triste em falar que o presidente me convocou. Mas o presidente pedindo a convocação me ajudou muito, isso eu tenho que reconhecer. Médici, descanse em paz".

 

O capitão do Tri, Carlos Alberto Torres, ergue taça Jules Rimet com Médici, ao voltar do México

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