Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Estadão terça, 08 de junho de 2021

JOÃO GILBERTO GANHA ÁLBUM-TRIBUTO LANÇADO POR SELO JAPONÊS

 

João Gilberto ganha álbum-tributo lançado por selo japonês

Mario Adnet, compositor e arranjador, rearranja 15 gravações conhecidas do músico baiano e chama nomes como João Donato, Guinga, Mônica Salmaso, Lisa Ono e Leila Pinheiro para realizar uma homenagem com coprodução do japonês Shigeki Miyata

Julio Maria, O Estado de S.Paulo

08 de junho de 2021 | 05h00

Vinicius de Moraes falava que “o futuro é o passado melhorado”. Era outra vida e o otimismo do poeta Vina hoje, algumas décadas, governos e uma pandemia depois, pode parecer estranho. Menino, Mario Adnet estava por perto ouvindo o que Vinicius dizia. “O futuro é o passado melhorado”, repetia a si mesmo. A alguém que transformaria a devoção aos mestres em uma série de tributos a partir de 1999, com o álbum Para Gershwin & Jobim, a frase caía como um belo acorde a solucionar uma velha canção. Alguns poucos artistas dedicam suas vidas tentando melhorar o passado, o que não significa fazer melhor, mas trazê-lo, revigorá-lo, reabrir suas possibilidades, chamar a atenção para a sua existência e mediá-lo com os novos tempos. Adnet, agora, vai ao passado de um especialista em reformas e melhorias de passados: João Gilberto.

 

ctv-nfr-jg-contatos--ok
Contato de imagens de João nos anos 70 Foto: Hirosuke Doi
 
 
O álbum foi gravado em muitos estúdios e sessões diferentes. As cordas foram feitas pelos russos da St. Petersburg Studio Orchestra, em São Petersburgo, na Rússia. Naipes com 12 violinos, seis violas, quatro violoncelos e dois contrabaixos – básico mas raro em um álbum brasileiro antes mesmo da pandemia. Outras gravações foram feitas no Rio, em São Paulo e em Tóquio. A assinatura da coprodução, ao lado de Mario, é do lendário Shigeki Miyata, japonês que produziu o álbum lançado no Japão, Live in Tokyo, de 2004. Não por acaso, a editora e o selo responsáveis são os mesmos de João no Japão, a Road & Sky Publishing, da Universal Classics & Jazz. Uma saída um tanto estratégica que acelera o processo das liberações exigidas para as obras de João no Brasil.

As faces escolhidas por Mario são muitas, desde a mais famosa delas a outras pouco lembradas. Garota de Ipanema, de Vinicius e Jobim, é o João moderno e estelar, de 1964, lançada com o saxofonista Stan Getz depois que o cantor Peri Ribeiro a colocou no mundo pela primeira vez sem fazer o mesmo estardalhaço, em 1963, em seu álbum Peri É Todo Bossa. Só mesmo quando João a gravou com Getz e a voz pequenina da então mulher Astrud Gilberto foi que tudo começou. Frank Sinatra, Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan e mais de 200 artistas tentariam imprimir novos frescores àquela fotografia de um instante eterno. Sua reconstrução por Mario Adnet, com as vozes reverenciais de Daniel Jobim, Dora Morelenbaum e do próprio arranjador, tem um pensamento arquitetônico e cheio de referências: trechos, introdução e final fazem discretas citações a frases e células que Jobim e João usavam em diferentes momentos. Uma engenharia de memórias. “Sei que muitos preferem trabalhar com a desconstrução para colocar sua personalidade. Eu gosto da pesquisa, de procurar o frescor. E mesmo as canções mais batidas têm esse frescor”, diz Mario.

O João que olhava para trás obsessivamente disposto a melhorá-lo surge em temas como Izaura, de Herivelto Martins e Roberto Roberti. As vozes de Mario e da filha Antonia são colocadas no mesmo nível de volume e alguns acordes são acrescentados. “João a fazia mais simples”, compara o pesquisador. O samba regravado por João em 1973, com a segunda voz de Miúcha deixando a sua ao fundo deslizar deliciosamente nos cromatismos que tanto amava quando dividia ou não uma canção – aqueles momentos em que a melodia descia de degrau em degrau para chegar ao destino sem nenhum grande salto –, ganha uma atualização de pouca interferência, ao contrário do que acontece, ou quase chega a acontecer, com Chega de Saudade.

 

ctv-xar-adnetrr
Mario Adnet, em foto de 2011 Foto: Nelson Faria

Carta de intenções da bossa nova lançada em 1959, capaz de fazer uma geração de futuros grandes compositores querer tocar violão depois de ouvi-la, Chega de Saudade tem aqui a voz de Mônica Salmaso, o violão de Guinga e um arranjo de cordas pensado por Mario Adnet. Seria perfeito se a intenção proposta por Guinga, interrompida logo depois, não fosse tão avassaladora. A gravação original, e as centenas de regravações que a sucederam, tratam a letra triste da primeira parte com uma estranha felicidade de salão.

É possível ver quem canta “vai minha tristeza e diz a ela que sem ela não pode ser” dançando em um baile de carnaval. Mas Guinga levou esta música, talvez pela primeira vez, ao ponto da dor que os versos narram, um sentimento que está até no som dos arrastres da mão em busca de acordes. Até a entrada de Mônica e dos arranjos de Mario, ele canta com um sofrimento espetacular e verdadeiro. Com respeito a tudo o que vem depois, esta era uma Chega de Saudade só de Guinga e seu violão.

Mas o passeio é longo e as memórias são muitas. Leila Pinheiro canta Você e Eu, de Vinicius e Carlos Lyra, lançada por João em 1961. Ela se sai muito respeitosa, sem riscos e convidativa a uma possível reflexão. Há instantes em que a música de João, por sua força, se mostra sólida e imóvel, como se não reagisse a nenhuma tentativa de interferência. É como se novos sopros, acordes, uma interpretação diferente ou qualquer movimento não conseguissem imprimir nenhuma informação. O que sobra é a homenagem e a entrega carinhosa que Leila faz à proposta revisionista. 

João Donato traz a voz e o piano Rhodes para fazer, ao lado de Antonia Adnet, o samba Minha Saudade. A música, gravada em 1959, é uma rara parceria dos Joões Gilberto e Donato, e que tem o significado ainda misterioso para o segundo. Dias depois de entregar a música ao parceiro, Donato ouviu de João a letra que ele havia acabado de fazer: “Minha saudade é a saudade de você que não quis levar de mim a saudade de você”. “Mas o que é isso, João?” O baiano repetiu os versos. “Mas isso não faz sentido”, insistiu Donato. “Faz sim, você é que não entendeu.” João Donato, depois de quase enlouquecer com o fluxo do pensamento levado pela “saudade de você que não quis levar de mim a saudade de você”, diz ainda hoje que segue sem saber o significado de Minha Saudade.

 

João Gilberto em 2008, no Auditório Ibirapuera
João Gilberto em 2008, no Auditório Ibirapuera  Foto: Eduardo Nicolau/Estadão

A seleção segue com Joyce cantando Estate, a regravação de João para a música lançada pelo italiano Bruno Martino; Bim Bom, na voz de Moreno Veloso; Ho Ba La La, com a família Adnet; Doralice, com Rosa Passos; João Marcelo (que João fez para seu filho), com guitarra e arranjos de instrumentista japonês Goro Ito; Pra que Discutir com Madame, de Janet de Almeida e Haroldo Barbosa, também com a família Adnet; Valsa (Como São Lindos os Yogues), ao piano de Febian Reza Pane; All of Me (lembrando que João gravou sua versão em português, Disse Alguém, com Caetano e Gil), aqui com a marimbista Mika Stoltzman e o clarinetista Richard Stoltzman; e Valsa da Despedida, que os japoneses amam, com Lisa Ono.

Do Japão, o produtor Miyata responde a algumas perguntas da reportagem por e-mail. Suas memórias sobre João são biograficamente valiosas e, em alguns momentos, parecem evocar um homem diferente daquele que o Brasil conhece. Sobre as gravações feitas nos shows de João Gilberto pelo Japão, nos anos 1970, Miyata conta: “No contrato da turnê não havia nada escrito sobre as gravações. Portanto, não estava pensando em lançar um CD. Depois de cada concerto, eu entregava ao João uma cassete. Um dia após o último show, ele me ligou e disse: ‘Venha para o meu quarto imediatamente. É muito importante’. Fui para o quarto e o encontrei esperando por mim, sozinho. Ouvimos a fita de um dos shows e ele disse: ‘O que você acha?’” Eu disse: “É fantástico, mas, João, está gravado em mono (não em estéreo).” E ele disse: “Não importa, seja mono ou estéreo, está tudo bem para mim. Vamos fazer nosso CD.”

A relação do músico com os japoneses parece ser de maior confiança e se diferenciar, segundo as memórias do produtor, sobretudo com relação à qualidade sonora buscada obsessivamente. “João nunca reclamava de acústica, incluindo os microfones. Isso talvez seja porque nossa pesquisa e nossa preparação fossem quase perfeitas”, diz Miyata. Aproveitando, por que o Japão segue sendo o país que mais valoriza os artistas de bossa nova no mundo? Até mais do que o Brasil? A resposta de Miyata é essa: “É muito difícil para mim responder a essa pergunta. Na minha opinião, provavelmente porque a bossa nova e a MPB toquem as cordas do coração de uma forma peculiar aos japoneses”.

Mais João. A biografia de João, escrita por Zuza Homem de Mello, morto em 2020, será lançada em outubro, segundo a editora Companhia das Letras. E na semana passada, a Rádio Batuta, do Instituto Moreira Salles, publicou em seu site gravações inéditas de João Gilberto. Os registros estão disponíveis no site da rádio. O material estava em três fitas de rolo captadas e guardadas pelo baiano Carlos Coqueijo. Duas delas foram gravadas na casa de Coqueijo, em Salvador, entre os anos de 1959 e 1960. As reuniões informais mostram João cantando e tocando violão. A outra foi captada em um show de João e Vinicius, na Associação Atlética da Bahia, em 1960. O material estava com Aydil Coqueijo, viúva de Carlos.


Escreva seu comentário

Busca


Leitores on-line

Carregando

Arquivos


Colunistas e assuntos


Parceiros