O máximo do mínimo. O melhor dos melhores. O pai de toda a música brasileira moderna. A influência mais decisiva em todos que vieram depois dele. João Gilberto, morto neste sábado (6 de junho), aos 88 anos, foi muito mais do que inventor da bossa nova com sua batida de violão que sintetizava o suingue de uma bateria de escola de samba. Ele não gostava do rótulo de bossa nova, dizia que o que fazia era samba. Um samba muito moderno, dissonante, minimalista, numa combinação perfeita entre voz e violão, que, na música de João Gilberto, formam uma coisa só.
João não só inventou uma nova maneira se cantar e tocar violão como se tornou um dos artistas mais influentes de seu tempo, cultuado por gênios do jazz como Miles Davis, que gravou um LP inteiro baseado no primeiro disco de Joao, "Quiet nights", a versão em inglês de "Corcovado". Quem foi tocado pela música de João nunca mais foi o mesmo, como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Roberto Carlos, Chico Buarque, Rita Lee, Jorge Benjor, e até Tim Maia, tiveram nele mais que um ídolo, um farol, um anjo de leveza, delicadeza e suingue.
Todos que o conheceram podem me confirmar: João é uma das pessoas mais inteligentes entre tantos artistas que conheci e tive o privilégio de conviver.
Seu humor fino e mordaz e implacável, sempre brilhante, seu rigor crítico que exercia com fervor religioso. Zen e João. A imagem de um homem tocando dias e dias a mesma canção, sempre igual, mas sempre com diferenças mínimas como um mantra hipnótico. Para depois esquecê-la e anos depois retomá-la para mais alguns anos de trabalho. Eis o trajeto de um música "nova" de João Gilberto até chegar ao público. O método gilbertiano consiste na repetição ao infinito de uma canção, com as palavras saindo de sua boca como pedrinhas brutas que rolam desde a nascente do rio até se transformar em seixos lisos e roliços antes de chegarem ao mar.
Um grande privilégio foi ter assistido a muitos dos poucos, muito poucos shows que fez em sua carreira, em que jamais fez uma turnê. Três em Nova York, Paris, Miami, dois em Salvador, dois em São Paulo, três no Rio de Janeiro, dois em Montreux, três em Roma, espetáculos únicos e diferentes, com emoções diferentes, mas com a marca de seu rigor, sem a mínima falha. Voz e violão é cruel, mostra tudo.
João gravou só 12 ou 13 álbuns em mais de 60 anos de carreira, com precisão absoluta e rigor religioso. Todos impecáveis.
"O meu coração apaixonado, de sofrer vive abafado, sem saber por que, reclama coitadinho, tão baixinho, que às vezes penso até que ele vai parar."
Ou como disse Caetano, "melhor que o silêncio, só João".