Em 2014, Jô Soares foi internado por três semanas e, com isso, passou um mês e meio afastado da TV. A notícia de que teria morrido circulou. Bem-humorado, ele me deu uma entrevista em que se divertiu: "Me tiraram do bico do urubu", disse. O urubu, no caso, foi uma pneumonia que resultou numa septicemia. O episódio expressa esse dom que ele tinha de mergulhar emergindo do outro lado da arrebentação com charme, fazendo alguma graça. A expressão o "bico do urubu" também refletia seu estilo: era ao mesmo tempo uma expressão popular e um achado de quem conhecia o melhor frasismo. Seu repertório abraçava tudo.
Com sua morte, o mundo piora muito.
- 'Nunca faça graça de graça. Você é humorista, não político': relembre frases de Jô Soares
- Do Capitão Gay ao Zé da Galera: relembre os personagens de Jô Soares
- Em 2021: Última aparição pública de Jô Soares foi tomando vacina contra a Covid-19
Todos os clichês usados para definir Jô são verdadeiros. Homem renascentista, gênio do humor, inigualável. Além da verve natural, ele teve uma formação sólida e cosmopolita, era poliglota e viajado, carioca, paulista e do mundo. Em seu "O livro do Jô", dois volumes em que trabalhou com Matinas Suzuki Jr., conta vários "causos" da malandragem de Copacabana. Um sinal de que se divertia muito também, sempre enxergando um lado leve e cômico no comportamento humano.
Personagens e momentos marcantes da carreira de Jô Soares em fotos
Depois de conquistar todos os territórios no humor, em vez de se acomodar no sucesso, Jô quis mais. Justo: ele sempre foi capaz de muito mais. E propôs à Globo fazer um programa de entrevistas. Boni não topou, e ele se transferiu para o SBT. Carregou um público numeroso para o seu "Jô Soares onze e meia". Qualificou a faixa da madrugada, recebeu o Brasil todo - famosos e anônimos com algo a contar - em seu sofá. Quando a entrevista não rendia pelo convidado, compensava tudo improvisando um show próprio. Era maior do que qualquer roteiro, capaz de puxar um espetáculo do bolso no deserto. Era a personificação do talento. Em 2000, voltou para a Globo, onde fez o "Programa do Jô" até 2016.