13 de maio de 2021 | 05h00
A discussão da superfície é legítima. Jazzmin’s, talvez a única big band só de mulheres no País, chega para chamar as atenções com relação à inserção ainda tão desequilibrada dos talentos femininos no ambiente instrumental. Por razões que não se bastam a uma única explicação, o Brasil se tornou um lugar de mulheres no canto e homens nos instrumentos. A relação de recebimento de direitos autorais, para ficarmos em um exemplo, comprova a disparidade: 96% das arrecadações no País seguem para os homens, enquanto 4% vão para as mulheres. E, nas orquestras, elas correspondem a não mais do que 25% do total dos corpos artísticos. A história oficial do jazz deixa visível a bravura de poucas musicistas em um universo no qual os homens aparecem com larga vantagem na condição de criaturas contempladas pelo dom da criação.
Ainda assim, seria pouco reduzir a Jazzmin’s a um estandarte. Sua formação cheia, com 17 mulheres ao todo, tem como diretor artístico um homem, o compositor e arranjador Rodrigo Morte. Mas um homem em posição de liderança em um grupo de afirmação? A pianista Lis de Carvalho, que concebeu o projeto com a saxofonista Paula Valente, diz que elas precisam dar um passo por vez. “Rodrigo foi um parceiro importante desde o início do projeto, escreveu nosso primeiro arranjo. Queríamos acontecer como instrumentistas nesse primeiro momento, é muita estrada para caminhar.” E, talvez, exista uma outra informação aqui. Ao contrário dos homens, que talvez não chamariam mulheres para posições de destaque, elas, as instrumentistas, não buscam seus lugares pelo exclusivismo de gênero. Homens e mulheres, em equilíbrio, podem criar uma música mais interessante. Algo que pode fazer pensar o que seria se entre Bix Beiderbecke e Wynton Marsalis, com todos os Bird, Miles e Dizzy no meio, quanto haveria de deslumbramento se mais mulheres tivessem firmado seus lugares?
Ao contrário das bandas originais sempre tão masculinas do império de Benny Goodman, o “rei do swing”, que teve como mérito equilibrar o jazz entre o coletivo do estilo de New Orleans dos anos de 1910 e o individualismo dos solos surgidos no estilo Chicago dos anos 20, o som da Jazzmin’s se alinha a um instrumental de menor estridências e mais suavidade. Ou, como conta Lis, em vez de apostar nos metais, ouvir mais as madeiras. “Trabalhamos para ‘amadeirar’ o som, usando clarinete e clarone no lugar dos trompetes, além da trompa, que fica muito interessante. Talvez tenha também a ver com a alma feminina.”
Depois de testar a formação e o repertório em vários shows desde 2017, um álbum começou a se tornar o caminho mais natural. Não foi fácil, mas ele ficou pronto às vésperas de o mundo entrar em isolamento por causa da pandemia, e sai agora com o nome de Quando Eu Te Vejo, nome também da composição de Rodrigo Morte, com toda a proposta de Lis e Paula soando redonda a ponto de se tornar uma marca. A base do Jazzmin’s vem do Grupo Kali, uma formação de banda só de mulheres já pioneira no fusion dos anos 80. Era outra proposta, com mais pressão nos solos da guitarrista Renata Montanari e no peso da então baterista Vera Figueiredo, um dos maiores nomes no instrumento do País que não faz parte da Jazzmin’s, ao lado da pianista Lis e da baixista Gê Cortes. Agora, Pat Metheny ainda é um dos filtros, como se ouve no solo de Renata em Quando Eu Te Vejo, mas não só. 7X1 é um tema arrebatador de Gê, assim como o às vezes samba Passarinho Impertinente, do baterista Nenê; a versão de Doralice, de Caymmi, com arranjo de Tiago Costa; e Esperança, um tema de Lis com arranjo de Rodrigo. As outras mulheres que constroem a sonoridade nos dez temas do álbum precisam ser listadas: Marta Ozzetti (flautas), Lais Francischinelli, (clarinete), Fabrícia Medeiros (clarinete, clarone), Bia Pacheco, Mayara Almeida e Tais Cavalcanti (saxofones), Isabelle Menegasse (trompa), Grazi Pizani e Estefane Santos (trompetes), Cindy Borgani e Sheila Batista (trombones), Carol Oliveira (vibrafone/percussão) e Priscila Brigante (bateria).