BRASÍLIA — O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, denunciou nesta terça-feira os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff pelo crime de organização criminosa. Trata-se de um dos inquéritos abertos no Supremo Tribunal Federal (STF) em decorrência da Operação Lava-Jato. O valor da propina recebida por eles e outros seis políticos do PT, segundo Janot, chegou a R$ 1,485 bilhão. O procurador-geral apontou Lula como líder e "grande idealizador" da organização criminosa, devendo inclusive ser condenado a uma pena maior por isso.
Somente Lula teria recebido R$ 230,8 milhões de propina entre 2004 e 2012 paga pelas empresas Odebrecht, OAS e Schahin com recursos desviados de contratos firmados com a Petrobras. O grupo teria atuado de 2002, quando Lula venceu a eleição presidencial, a maio de 2016, quando Dilma deixou interinamente o cargo de presidente em razão do processo de impeachment no Congresso. O crime de formação de quadrilha prevê pena de três a oito anos, podendo ser aumentada em até dois terços dependendo da situação.
A propina de Dilma chegaria a R$ 170,4 milhões, mas, segundo Janot, os valores não ficaram apenas com ela e serviram também aos "interesses do seu grupo político amplamente beneficiado com a sua permanência no poder".
Também foram denunciados: a senadora Gleisi Hoffmann, presidente do PT; os ex-ministros Antonio Palocci, Guido Mantega e Paulo Bernardo, além de Edinho Silva, atual prefeito de Araraquara (SP); e o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto. De acordo com Janot, a organização criminosa praticou ações não só na Petrobras, mas também em outros órgãos públicos, como o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Ministério do Planejamento. Janot pede ainda que eles paguem ao todo R$ 6,8 bilhões, o que inclui devolução de dinheiro desviado e reparações por danos morais e materiais.
"Pelo menos desde meados de 2002 até 12 de maio de 2016, os denunciados, integraram e estruturaram uma organização criminosa com atuação durante o período em que Lula e Dilma Rousseff sucessivamente titularizaram a Presidência da República, para cometimento de uma miríade de delitos, em especial contra a administração pública em geral", escreveu Janot.
INQUÉRITO FOI DIVIDIDO EM QUATRO
Este é um dos quatro inquéritos abertos no STF para investigar quadrilhas que supostamente se beneficiaram do esquema de corrupção montado na Petrobras. Além dos políticos do PT, há uma investigação voltada a integrantes do PP, uma focada no PMDB da Câmara e outra no PMDB do Senado. A propina nesses outros três casos, segundo Janot, chegou a 1,605 bilhão pelo menos. Somando aos valores do PT, a cifra ultrapassa os R$ 3 bilhões. Ao todo, o prejuízo à Petrobras foi de pelo menos R$ 29 bilhões, segundo dado do Tribunal de Contas da União (TCU) citado por Janot.
Na avaliação de Janot, o papel do PT foi mais preponderante, em razão de ter ocupado a presidência da República entre 2003 e 2016, com Lula e Dilma. No cargo, eles tinham a prerrogativa de fazer as nomeações mais importantes para ocupação de cargos públicos.
"Lula foi o grande idealizador da constituição da presente organização criminosa, na medida em que negociou diretamente com empresas privadas o recebimento de valores para viabilizar sua campanha eleitoral à presidência da República em 2002 mediante o compromisso de usar a máquina pública, caso eleito (como o foi), em favor dos interesses privados deste grupo de empresários. Durante sua gestão, não apenas cumpriu com os compromissos assumidos junto a estes, como atuou diretamente e por intermédio de Palocci, para que novas negociações ilícitas fossem entabuladas como forma de gerar maior arrecadação de propina", escreveu Janot.
O procurador-geral disse ainda que ele foi o responsável pela indicação de Dilma para ser candidata do PT em 2010, o que lhe permitiu continuar influenciando o governo e "a fazer disso mais um balcão de negócios para recebimento de vantagens ilícitas".
Ainda segundo Janot, Lula, "na qualidade de Presidente da República por 8 anos, atuou diretamente na negociação espúria em torno da nomeação de cargos públicos com o fito de obter, de forma indevida, o apoio político necessário junto ao PP e ao PMDB para que seus interesses e do seu grupo político fossem acolhidos no âmbito do Congresso Nacional".
Em relação a Dilma, Janot disse que ela passou a integrara a organização em criminosa em 2003, quando se tornou ministra de Minas e Energia no governo Lula. "Desde ali contribuiu decisivamente para que os interesses privados negociados em troca de propina pudessem ser atendidos, especialmente no âmbito da Petrobras, da qual foi Presidente do Conselho de Administração entre 2003 e 2010. Cumpre ressaltar que compete ao Conselho a nomeação dos diretores da Companhia", anotou Janot.
Em seguida, acrescentou: "Durante sua gestão junto à Presidência da República deu seguimento a todas as tratativas ilícitas iniciadas no governo Lula, com destaque para a atuação direta que teve nas negociações junto ao grupo Odebrecht. Outras vezes atuou de forma indireta, por intermédio de Mantega e Edinho Silva, na cobrança de valores ilícitos junto a empresários".
PROTAGONISMO PASSOU PARA PMDB DA CÂMARA
A partir do impeachment de Dilma, Janot afirmou que o protagonismo passou do PT para o grupo do PMDB na Câmara. Segundo ele, "com a reformulação do núcleo político da organização criminosa, a partir de maio de 2016, os integrantes do PMDB da Câmara passaram a ocupar esse papel de destaque dentro da organização". O grupo reúne políticos próximo ao atual presidente Michel Temer, que é do PMDB e era vice de Dilma antes de assumir o cargo no lugar dela.
O procurador-geral destacou que houve transferências bancárias internacionais para mascarar os valores das propinas e até mesmo a aquisição, por parte da empreiteira Odebrecht, de uma instituição financeira no exterior para facilitar isso.Para que os oito investigados se tornem réus e passem a responder ação penal, é preciso que a Segunda Turma do STF, composta por cinco ministros, aceite a denúncia. Ainda não há data para isso ocorrer. Somente depois é que haverá o julgamento que levará à condenação ou absolvição. O relator é o ministro Edson Fachin, que cuida dos procesos da Lava-Jato no STF.
Além da condenação, Janot quer que, ao fim do mandato, seja declarada a perda de cargo público dos denunciados que possuam algum. Quer também que devolvam R$ 6,5 bilhões à Petrobras, além de pagarem danos materiais no valor de R$ 150 milhões e danos morais também no valor de R$ 150 milhões.
Janot também solicitou que as investigações de outros petistas e pessoas associdadas vá para o juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, responsável pelos processos da Lava-Jato na primeira instância. São eles: os ex-ministros Ricardo Berzoini e Erenice Guerra; o ex-governador da Bahia Jaques Wagner; o ex-senador Delcídio Amaral; Giles de Azevedo, ex-chefe de gabinete de Dilma; o pecuarista José Carlos Bumlai; Paulo Okamoto, presidente do Instituto Lula; e o ex-presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli.
No caso de Wagner, o mais provável é que o caso não vá para Moro, mas para o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), em função do cargo que ele ocupa atualmente: secretário de Desenvolvimento Econômico da Bahia. Janot também pediu que as investigações ligadas a Lula, Paulo Bernardo e Vaccari que tratem de organização criminosa em tramitação na Justiça Federal de São Paulo e do Distrito Federal sejam remetidas ao STF.
JANOT UTILIZOU DIVERSAS DELAÇÕES
Janot apontou ação de Lula em 2004 para que José Eduardo Dutra, então presidente da Petrobras, nomeasse Paulo Roberto Costa para a diretoria de Abastecimento da estatal. Caso contrário, todos os integrantes do Conselho da Petrobras seriam demitidos. A indicação de Costa, que se tornou o primeiro delator da Lava-Jato, era para atender o PP, partido cujo apoio era cobiçado por Lula. Uma vez no cargo, ele atuou para desviar dinheiro da Petrobras.
Outros cargos teriam sido negociados com políticos do PP e do PMDB, como a presidência da Transpetro, empresa subsidiária da Petrobras, e a diretoria internacional da estatal. Nesses dois postos, passaram respectivamente Sérgio Machado e Nestor Cerveró, que também firmaram acordos de delação e admitiram ter desviado dinheiro.
Em nota, a defesa de Lula negou irregularidades envolvendo ex-presidente. "Essa denúncia, cujo teor ainda não conhecemos, é mais um exemplo de mau uso das leis para perseguir o ex-presidente Lula, que não praticou qualquer crime e muito menos participou de uma organização criminosa. É mais um ataque ao Estado de Direito e à democracia. O protocolo dessa denúncia na data de hoje sugere ainda uma tentativa do MPF de mudar o foco da discussão em torno da ilegalidade e ilegitimidade das delações premidas no país", escreveu o advogado Cristiano Zanin Martins, fazendo referência a possíveis irregularidades na delação de executivos da JBS.
Para embasar a denúncia, Janot usou elementos obtidos a partir de várias delações premiadas. Entre os colaboradores estão Paulo Roberto Costa, Nestor Cerveró, o ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco, os marqueteiros João Santana e Mônica Moura e executivos da Odebrecht e da JBS. Além da Petrobras, Janot sustentou que houve desvios em outras obras, como a da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Também fez algumas considerações sobre desvios cometidos por integrantes do PMDB, em especial na Caixa Econômica Federal, embora o inquérito para tratar desse assunto seja outro.
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