Estáveis e com recuperação gradual, as irmãs gêmeas Lis e Mel, separadas após cirurgia de 20 horas realizada de sábado para domingo, permanecem internadas na unidade de terapia intensiva (UTI) do Hospital da Criança de Brasília José de Alencar (HCB). A previsão é de que as meninas, que pesam 9kg cada, deixem o local em duas semanas. O prazo, no entanto, pode ser maior ou menor, a depender das respostas das pequenas.
Por enquanto, Lis teve os tubos de respiração mecânica removidos e reage a estímulos sonoros — como músicas da Galinha Pintadinha — e chegou a se apoiar com as mãos e os joelhos por alguns segundos. Mel continuava até a noite de ontem sob sedação e requer mais cuidados. Mesmo que haja alguma lesão cerebral em uma das meninas, é possível que isso seja imperceptível, segundo os especialistas que acompanharam o caso.
Os resultados estão dentro do esperado pela equipe médica. Apesar de se tratar de uma cirurgia invasiva e delicada, tudo transcorreu como planejado, e os resultados serão publicados em periódicos científicos. Duas enfermeiras e três médicos do The Children’s Hospital Montefiore, em Nova York, acompanharam os trabalhos no HCB como consultores. Um deles é o neurocirurgião James Goodrich. “Consultamos cerca de 35 casos como esse ao redor do mundo. Só 25% chegou ao ponto da separação. Quando alguém nos chama, temos certeza antes de realizar a intervenção. O doutor Benício (Oton) fez um trabalho maravilhoso, orquestrando e juntando tudo, e o time trabalhou incrivelmente bem”, comemorou o médico.
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Mais de 50 profissionais se envolveram diretamente na cirurgia de separação das gêmeas Lis e Mel (no detalhe), no Hospital da Criança de Brasília
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Suave
O caso do DF foi o décimo a contar com a contribuição do grupo de especialistas norte-americanos. Duas das enfermeiras que compuseram a equipe palestraram antes da cirurgia para os profissionais envolvidos. A experiência de 14 anos de Kamilah Dowling no Children’s Hospital Montefiore contribuiu com o aprendizado repassado aos colegas. “Compartilhei a importância do trabalho em equipe e da comunicação, pois os enfermeiros também eram responsáveis por avisar sobre quaisquer mudanças relativas a Lis e a Mel”, destacou. “Eles formaram um bom time, se comunicavam bem e eram receptivos a informações. A combinação desses fatores fez tudo acontecer de forma suave”, ressaltou a enfermeira.
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"Lis e Mel, dei meu melhor. Fiz o máximo possível para que desse certo. O que mais quero é que vocês possam aproveitar a vida e ser felizes como toda criança merece ser" Carlos Eduardo Miguel da Silva, chefe da equipe de enfermagem
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Emoção
Mesmo depois da cirurgia, a ligação entre as meninas se estenderá para além dos laços sanguíneos. Agora, ambas carregam um pedaço do osso do crânio que as unia. Caso raro no mundo, o procedimento de separação das gêmeas deu outro ar aos corredores do HCB. A história das duas meninas mobilizou não só a equipe médica envolvida diretamente, mas todos os profissionais do Hospital da Criança levam, de certa forma, uma marca das bebês no coração.
De Benício Oton, neurocirurgião que comandou a empreitada, a funcionários da manutenção e limpeza, o hospital se transformou em uma corrente de orações e pensamentos positivos em favor das garotinhas. Diretamente envolvidas, 50 pessoas se alternavam entre a sala de cirurgia e outra de apoio, onde podiam acompanhar, por uma tevê, os trabalhos. Cada integrante ficou responsável por avisos de mudanças no quadro de saúde de Lis e Mel, pela preparação de equipamentos, pelo monitoramento da operação e até por dar conselhos à equipe.
Ana Paula Paulino, 31 anos, é supervisora da Agência Transfusional do HCB e foi escalada para dar suporte hemoterápico às gêmeas. Ela até podia ter seguido a escala especial que prepararam no sábado, mas a expectativa de ver as meninas separadas foi maior do que o cansaço. Ana se envolveu, rezou, torceu e, no fim, permaneceu as 20 horas na sala do procedimento. “Ficamos além do horário. Mesmo após o término, queríamos ficar. O nosso grupo de WhatsApp não parava no sábado. Toda hora alguém perguntava como elas estavam”, contou. “Existia um clima bom e de expectativa positiva na sala de cirurgia. Era todos nós trabalhando por um único objetivo. Elas vieram para nos transformar e nos unir.”
Bastou um olhar de Mel e Lis para o enfermeiro Carlos Eduardo Miguel da Silva, 34, ter certeza de que tudo daria certo. Chefe da enfermagem, ele foi responsável por coordenar a operação e ser a ponte de comunicação da junta médica com Camila Neves, 25, e Rodrigo Neves, 30, pais das meninas. Ficou com ele a responsabilidade de oferecer segurança e tranquilidade à família, mas isso não o livrou da adrenalina de fazer parte da história. Emocionado e esperançoso de que as meninas terão uma boa recuperação, Carlos contou que, se pudesse falar algo a elas, diria que colocou o próprio coração na cirurgia de 27 de abril. “Lis e Mel, dei meu melhor. Fiz o máximo possível para que desse certo. O que mais quero é que vocês possam aproveitar a vida e ser felizes como toda criança merece ser”, concluiu.