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Lis e Mel foram separadas depois de 20 horas de operação. Médicos do Hospital da Criança detalharam todo o processo
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Médicos, enfermeiros e dezenas de outros profissionais de saúde com anos de experiência celebraram o sucesso de uma cirurgia inédita no Distrito Federal. As gêmeas siamesas Lis e Mel foram separadas, no último sábado, após 20 horas na mesa de operação e se recuperam na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital da Criança de Brasília José de Alencar (HCB). A coletiva de imprensa na unidade de saúde rendeu momentos de emoção dos médicos e agradecimento dos pais, a consultora Camila Vieira Neves, 25 anos, e o supervisor comercial Rodrigo Martins Aragão, 30.
O procedimento para separar as duas crianças — unidas pelo crânio (craniópagas) — trata-se do 10º realizado em todo o mundo. A cirurgia pela qual as meninas de 10 meses passaram, no último fim de semana, envolveu cuidado intenso e uma carga emocional acumulada durante quase um ano de acompanhamento. A operação se dividiu em 36 etapas, e o HCB é o terceiro hospital do país onde isso ocorreu.
O trabalho de separação das irmãs exigiu o esforço direto de 50 profissionais, incluindo três médicos e duas enfermeiras do The Children’s Hospital at Monte Fiore, em Nova York, nos Estados Unidos, convidados a participar e prestar apoio, como consultores, durante a cirurgia. O grupo tem bagagem ampla em casos como esse e acompanhou os outros nove executados em todo o planeta. Gêmeos siameses craniópagos são extremamente raros e têm incidência de um a cada 2,5 milhões de nascimentos.
As meninas foram diagnosticadas durante a 10ª semana de vida. A partir do momento em que o neurocirurgião do HCB Benício Oton descobriu que seria possível separá-las, ele deu início ao processo de escolha do time que o acompanharia na missão. Foram meses de preparo para os dois procedimentos, sendo que o primeiro ocorreu em 26 de janeiro. “A família e o HCB abraçaram a ideia. Então, saímos atrás de pessoas (equipe médica) que tinham capacidade de fazer isso”, disse o especialista.
Conhecimento
Convidado pessoalmente por Benício, o anestesiologista Luciano Fares recebeu uma caixa com os moldes do crânio de Lis e Mel e topou o desafio. “A gente tinha de resolver isso, e a primeira coisa necessária era conhecer as meninas, planejar e buscar conhecimento”, comentou Luciano, que mencionou a escassez de bibliografia a respeito dessa condição médica. “Nossa dica para fazer a anestesia estava ao olharmos para elas: se não nos uníssemos, não teríamos como separá-las, e o hospital é famoso por essa união”, completou Luciano.
A história das crianças envolveu, ainda, empresas privadas, que doaram insumos necessários ao procedimento. Uma delas forneceu os moldes em três dimensões personalizados e usados nos ensaios teóricos e práticos da equipe médica. Na tarde de ontem, vestido com camisetas em homenagem às crianças, o cirurgião plástico Ricardo de Lauro comentou sobre a relação com as meninas. “Na Ala de Queimados do Hospital Regional da Asa Norte, onde também trabalho, encontro muitas crianças em situação grave, mas aprendemos a separar (da vida pessoal). Ainda assim, existe um amor que criamos com pacientes. Não tem como”, disse Ricardo.