INUSITADO GANHA-PÃO
A. C. DIB
O causo se passa no interior piauiense, no início do Século XX. Por pudor – e por cautela, eis que o povo lá é bravo – julgamos de boa prudência omitir nomes.
Notório coronel da região, influente chefe político e senhor de muitas terras e homens, padecia, há muito, de estranho mal, caracterizado por vertigens, enjoos estomacais, anemia, apatia e calafrios. Queixava-se, ainda, de ouvir pequenos estalos e estranhos zumbidos.
Para sua sorte, o coronel contava com prestimoso médico, que o acompanhava quase que diariamente. Noites de sono bem dormidas, boa e saudável alimentação, passeios matinais, boas leituras, pescarias e ligeiras cavalgadas, em lombo de cavalo manso, enfim, o tratamento prescrito pelo devotado discípulo de Hipócrates era o mais prazeroso possível.
Praticamente, em todos os dias da semana – respeitado o sagrado descanso dominical, quebrado, apenas, nos casos de emergências −, seguia o bom doutor, montado em sua robusta mula, rumo à fazenda de seu mais ilustre e importante paciente, prestando-lhe o atendimento domiciliar.
De fato, no interior, a gente humilde local costumava pagar pelas consultas e diligências médicas com porco, galinha, carne de caça, peixes e cesta de frutos. E isso quando os honorários médicos não eram pagos com um caloroso abraço, um beija mão e um honesto “Deus lhe pague”.
O coronel, no entanto, generoso e agradecido, pagava regiamente a dedicação, a presteza e a respeitável sapiência de seu leal médico. Assim, o tratamento do coronel constituía sua principal fonte de renda. Os parcos caraminguás que recebia dos demais pacientes e consulentes, sozinhos, não fariam frente às suas polpudas despesas, já que mantinha seu filho mais velho na Capital da República, estudando medicina.
Passados alguns anos, esse estudante de medicina concluiu o curso, bacharelando-se. Apaixonado e idealista, o garboso e jovem médico fez absoluta questão de voltar à casa paterna, para trabalhar ao lado do pai. Tencionava dedicar e dirigir seus conhecimentos científicos aos mais pobres e necessitados, sonhando aliviar os males e sofrimentos da humanidade.
Certa feita, já atuando o jovem ao lado do calejado pai, foram convocados para socorrer, com urgência, o coronel, que enfrentava uma de suas mais agudas crises.
Como o pai se achava em povoado próximo, prestando atendimento, seu filho não titubeou: reuniu seus apetrechos, tomou da malinha e seguiu, de imediato, à fazenda do coronel.
Prestado o atendimento, o jovem regressou ao lar. Deparou-se, ali, com o pai – que, há pouco, também regressara de sua diligência médica −, ligeiramente tenso e ansioso, buscando, avidamente, notícias do ilustre paciente e da consulta.
− Não se preocupe, papai! – disse o rapaz, sorrindo e orgulhoso. − Creio que descobri a fonte de todos os malefícios que afligiam o senhor coronel. Após ouvi-lo e examiná-lo, retirei de seu ouvido um enorme e gordo carrapato. Acredito que, agora, eliminamos, em definitivo, suas tonturas, seus enjoos, seu mal-estar e o irritante zumbido que alegava ouvir.
− Pois meu filho – disse o pai, lívido – eliminaste, sim, a nossa fonte de renda! Foi aquele abençoado carrapato que custeou teus estudos na Capital. Oh, meu filho! – disse, desalentado. – O que fizeste? Aquele carrapatinho era o nosso ganha-pão! – suspirou.
"