Bacia do Pina, onde os hidro aviões amerissavam servindo como espetáculo de domingo
Não raro quando preciso de um tema para estas crônicas passo a procurar em velhos recortes, notas, fotografias, cenas ao vivo que ficaram na e lembrança, todas bem guardadas nos meus arquivos Nesses momentos me vejo diante do meu próprio passado.
O meu Recife de ontem. Quanta coisa mudou nestes 80 anos! Vale a pena informar aos novos.
As cenas das quais aqui falo se passaram numa época em que só existia o Aeroporto Militar do Ibura e a maioria dos aparelhos comerciais eram hidro aviões, cujo local de pouso era em plena bacia do antigo “Rio do Sargento Pina”.
Do aeroporto de Santa Rita, no bairro de São José, permanecem as recordações de dois tempos. O primeiro, aí por volta de 1942, em Plena II Guerra Mundial, quando as pessoas e a vida da cidade ainda não sofriam senão com as notícias de jornais sobre o conflito que devastava a Europa.
O Recife vivia ainda sua mansidão, seus ares bucólicos. Minhas primas, Yeda e Nicinha me levavam para ver as amerissagens dos aviões aquáticos.
Um espetáculo inolvidável! Os jornais anunciavam as chegadas de aviões e as famílias programavam os passeios.
Nos primeiros dias a gente se concentrava no “Chupa”, uma espécie de praia formada pelas margens do Rio do Pina – atual Cais José Estelita – onde o espetáculo era mais deslumbrante. Ficávamos horas esperando a passagem dos aviões com destino ao cais. As primas tinham o cuidado de levar um lanchinho e sucos para amenizar a espera.
Ficávamos de olhos fixos no rio. Era possível ver os aviões chegando e voando baixo. Apareciam no local onde havia a antiga ponte só dos bondes, e vinham perdendo altura até pousar na água. Um alumbramento!
Dias depois minhas primas atenderam ao meu pedido para ver um avião de perto, encostando no cais e as pessoas desembarcando. A grande curiosidade infantil.
Tive o privilégio de ser levado a ver a chegada do “bichão” e o desembarque dos passageiros.
O que se chamava Cais de Santa Rita era um quadrângulo bem delineado que funcionava como porto, embora precário. Esse quadrilátero foi, anos mais adiante, aterrado. Na época não havia tantos armazéns de açúcar, de forma que a parte quadriculada funcionava como uma espécie de tanque onde os veleiros aportavam.
O espaço servia como porto de barcaças que conduziam sacos de açúcar para os armazéns, descargas que aconteciam principalmente nos dias de semana. Estivadores musculosos sustentando na cabeça sacos de 60 quilos saiam das barcaças e atravessavam a rua para chegar aos armazéns. Servia, o “tanque d’água”, igualmente, como Estação de Passageiros ao ar-livre. Tudo muito precário e sem o mínimo conforto.
Os hidroaviões chegavam como se barcos fossem. Depois eram puxados e amarrados por homens fortes, até a beira do cais. Após a colocação de uma escadinha as pessoas desembarcavam na maior precariedade. Mas via-se um festival de abraços e sorrisos.
Aí, revendo estas lembranças de passageiros que saiam para viajar nos aviões aquáticos – o que muito impressionava a criança que eu era – cheguei, certa feita, ao ponto de indagar às minhas primas:
– Aquelas pessoas vão viajar para o céu? E lá tem rio para o avião parar?
Moderno hidro-avião
E recordando estas indagações que somente anos mais tarde tomei ciência, lembrei-me de uma historinha contada pelo amigo escritor Edson Mendes de Araújo Lima, referente à uma cena ocorrida em passado recente.
Ao despedir-se de um colega de trabalho, no interior da Paraíba, a fim de proceder a uma viagem de automóvel, ocorreu o seguinte diálogo, quando ele foi saudado por seu ex-Gerente:
– Até breve insigne viajante!
E Edson, inteligente, engatilhou:
– Obrigado insigne ficante!