INGENUIDADE
Arthur Azevedo
O Vaz desejava a Ernestina Friandes, não porque ela não tivesse todas as aparências de uma senhora honesta; desejava-a, porque o marido, o Friandes, era um pax vobis, que estava mesmo a pedir que o enganassem.
Quando, após quatro meses de perseguições incessantes, o sedutor conseguiu a promessa de uma entrevista, ficou muito atrapalhado, por não saber aonde levar a moça. Em casa dela, era impossível um encontro: havia a tia Chiquinha Friandes, velhinha esperta e desconfiada; em casa dele, também não podia ser, porque ele não tinha casa; apesar dos seus trinta anos, vivia ainda sob o teto e às sopas do pai.
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O nosso herói lembrou-se, afinal, de um amigalhaço muito dado a cavalarias altas; foi ter com ele, expôs-lhe a situação e pediu-lhe que lhe arranjasse um ninho.
– Tu compreendes! Não posso nem devo levá-la a uma dessas casas de alugar quartos, que toda a gente conhece! Seria abusar da sua inocência!
– Então a pequena é tão inocente assim?
– Se é! Não fala senão de pálpebras caídas, e qualquer coisa lhe faz subir o rubor às faces! Sou o seu primeiro amante!
– Deixa-te dessas pretensões! A gente nunca é o primeiro amante!
– Falas assim porque não a conheces.
– Vou indicar-te um lugar aonde podes levá-la com toda a segurança, porque é uma casa que ainda não está conhecida. Rua tal, número tantos. Vai até lá e procura de minha parte a D. Efigênia, que te servirá perfeitamente. Olha, leva-lhe o meu cartão.
O Vaz foi à casa indicada e obteve o que desejava: um bom quarto, espaçoso, bem mobiliado, arejado, com todos os requisitos, inclusive o de ficar logo no topo da escada, de modo que ele e a Ernestina poderiam entrar sem ser vistos.
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No dia da entrevista, correu tudo às mil maravilhas. O Vaz esperou a sua presa na esquina; ele entrou primeiro, ela, depois, e lá se demoraram perto de hora e meia.
Por que tanto tempo? Porque uma virtude não cai com a mesma facilidade que as paredes do Hospital da Penitência!
Arrependida de haver subido aquela escada infame, a Ernestina resistiu quanto pôde.
– Não! Não! Não!... Eu quero conservar-me fiel aos meus deveres!... Que juízo estará o senhor a fazer de mim?
O Vaz – justiça se lhe faça – não respondeu como Pedro I, que era um bruto.
– E o Friandes?... E o meu pobre Friandes, que tem tanta confiança em mim?
* * *
A Ernestina saiu primeiro. O Vaz ainda ficou, e D. Efigênia veio perguntar-lhe com o mais amável dos seus sorrisos:
– Então?, agradou-lhe o quarto?
– Muito e, se a senhora quisesse, eu ficaria com ele só para mim.
– Ah!, isso não pode ser.
– Por quê?
- Porque há um cavalheiro e uma dama que têm este cômodo tomado para todas as quartas e sábados, às quatro horas. Não sendo nesses dias e a essa hora, o quarto é seu.
– Bom.
O Vaz pagou generosamente a hospedagem e saiu.
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No dia seguinte, lembrou-se que era sábado, e, sendo um desocupado, sentiu desejos de conhecer a dama e o cavalheiro das 4 horas. Para isso, postou-se, no momento aprazado, bem defronte da casa hospitaleira, arranjando, por trás de uma árvore um magnífico posto de observação.
O cavalheiro foi o primeiro a chegar. Era um velho com todas as aparências de respeitável.
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A dama pouco se demorou: era a própria Ernestina Friandes. Imaginem a surpresa do Vaz que, daquele momento em diante, convencido de que o ingênuo fora ele, nunca mais se fiou na ingenuidade das mulheres.