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Alexandra Pompeo, coordenadora do projeto: "Nós queremos que eles tenham a experiência de viver em sociedade"
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Enquanto muitos meninos e meninas passarão o Natal em casa com as famílias, 368 jovens institucionalizados estarão nas 15 entidades de acolhimento espalhadas pelo Distrito Federal. Crianças e adolescentes abandonados ou vítimas de violência familiar e sem ter para onde ir vivem em instituições que os recebem e se preocupam em fazer a reinserção social de cada um.
Entre elas está a organização humanitária Aldeias Infantis SOS, presente em 132 países desde 1949. Em Brasília, eles funcionam na Asa Norte desde 1968 em um lote onde estão construídas 15 casas. Até 2012, cada casa era ocupada por nove crianças. “Percebemos que isso estava virando um depósito de crianças e eles acabavam convivendo apenas entre si. Não é isso que queremos. Nós queremos que eles tenham a experiência de viver em sociedade”, explica a coordenadora do projeto, Alexandra Pompeo. A partir dessa constatação, os responsáveis se juntaram para reiventar a instituição.
Atualmente, apenas uma das residências é ocupada. Ao todo, são dez jovens, entre 10 e 17 anos. Com a chegada do ano letivo, uma das necessidades da instituição é conseguir o material escolar para eles. Alexandra obvserva que há casos em que as autoridades responsáveis querem deixar os adolescentes no abrigo sem que haja a real necessidade. “Às vezes um menino se comporta mal, tem problemas com os pais e eles acham que é preciso mandar para o abrigo e pronto, mas não é bem assim”, explica.
Aos 17 anos, Lívia* completa o segundo ciclo na entidade. Órfã de pai e mãe, a jovem chegou a ser adotada por uma família de Planaltina na primeira vez que esteve lá. A convivência, no entanto, não deu certo e ela voltou para o antigo lar. “Aqui fiz amizades, mas a maioria já foi embora. Também aprendi a ser mais responsável e ter independência”, declara. Lívia completa 18 anos em maio do ano que vem e terá que deixar a instituição. Ali fez curso de informática e, atualmente, faz estágio em um órgão do Governo do Distrito Federal. Ao Correio, a jovem fala de esperança e sonhos. “Quero fazer a faculdade de psicologia”.
Quando chega alguém chega na organização humanitária, psicólogos e assistentes sociais fazem um plano individual de atendimento. Primeiro, buscam os parentes, tentam entender o que aconteceu e analisam se existe a possibilidade de reintegração familiar. Não sendo possível, a criança ou adolescente é incluído na lista para adoção. “Mas nós sabemos que nem todos serão adotados. Então fazemos um trabalho para que eles tenham autonomia. Um dos caminhos é o programa de profissionalização”, explica Alexandra. O objetivo do projeto é que, ao completar 18 anos, esse jovem tenha condições de concorrer a uma vaga no mercado de trabalho.
Cada criança que passa pelo abrigo carrega uma história. Atualmente o caso mais delicado é o de uma órfã acolhida aos 6 anos. Com diagnóstico de esquizofrenia, epilepsia e outros transtornos, ela já completou 20 anos. Os assistentes sociais não conseguiram, nem mesmo judicialmente, encaminhar a jovem para uma instituição especializada no atendimento dela. “Não queremos que ela vá para a rua. Se nós conseguíssemos um lugar que a recebesse sem custos, resolveria. Mas como não achamos, cuidamos dela”.
Profissão Mãe
Na casa onde moram, os adolescentes não estão sozinhos. Para manter a ordem e ajudar na criação, existem as mães sociais. São quatro funcionárias contratadas que atuam, como o próprio nome diz, na função de mães. Elas preparam almoço, dormem na casa, cuidam da saúde e da educação dos jovens. Marli Araújo, 60, é mãe nas Aldeias há 15 anos. Ela conta que tudo começou depois de receber um panfleto da organização na saída de uma missa. “Nunca tive filho biológico e, até então, só tinha experiência como gerente de supermercado, mas achei o trabalho bonito e me inscrevi para a vaga”.
A mulher que até então nunca tinha pensado em ser mãe, encantou-se com o trabalho e acabou adotando dois meninos, um de 6 anos e um de 9. “Na verdade, eles me adotaram como mãe primeiro. Não tinham família biológica e fomos criando vínculos”. A experiência como mãe social, no entanto, não foi tão fácil quando ela imaginava. “Cheguei em uma casa viva, cheio de meninos hiperativos. Me senti jogada no fogo, mas consegui”, relembra.
Na Aldeias, Marli criou concursos: quarto mais arrumado, bom comportamento e festinhas de recompensa. “Deu certo e continua dando. Gosto muito do que eu faço. Aprendi que a gente tem que amar o que faz e as crianças do jeito que elas são”, pondera.
Orçamento
Acolhendo menos jovens, a instituição consegue proporcionar a eles maiores chances de convívio com a comunidade. As14 casas ficaram disponíveis, o que deu a oportunidade de aproveitar o espaço para outros atendimentos. A entidade tem recebido famílias de venezuelanos indicados pela Organização das Nações Unidas (ONU).
A coordenadora Alexandra explica que são grupos recém-chegados de Boa Vista (Roraima). Grupos de 50 venezuelanos são acolhidos de cada vez. Uma vez instalados na casa, funcionários do projeto Aldeias fazem a ponte para auxiliá-los e conseguir emprego. Depois disso, os profissionais ajudam as famílias a encontrar moradia perto do local de trabalho. Desde julho, 15 famílias já foram assentadas.
Já as demais casas são alugadas por pequenos comerciantes e o valor do aluguel é revertido nas causas sociais da organização. Uma delas é o Projeto em Cena, que trabalha com 60 jovens entre 14 e 16 anos, moradores do Paranoá, ensinando fotografia e computação gráfica. Também no Paranoá, outra casa para acolher crianças deverá ser aberta no próximo ano.
Assim como a organização humanitária Aldeias Infantis SOS, outras instituições que cuidam de crinças e adolescentes necessitam de ajuda. Como muitos não têm família ou ela não tem condição financeira, entidades se juntam para arrecadar roupas e brinquedos e garantir a festa de Natal.
A Vara da Infância e da Juventude, por meio da rede Anjos do Amanhã, iniciou a campanha Natal Solidário, para arrecadar presentes. Quem quiser participar tem até o dia 11 de dezembro para selecionar a instituição e criança ou adolescente a ser presenteado.
Na lista há uma variedade de desejos: bonecas, roupas, mochilas e bicicletas. Quem escolher presentear com um item mais caro, pode fazer uma vaquinha com amigos. Esta é a quarta vez que a campanha Natal Solidário é realizada e em todas as edições 100% das crianças foram atenidas, segundo o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). O doador pode deixar o presente nas diretorias dos fóruns ou na sede da rede solidária Anjos do Amanhã, localizada na 909 Norte.
O supervisor da rede, Gelson Leite pede que cada presente seja embalado e, se possível, acompanhado de uma cartinha. “É uma experiência inclusiva e uma forma de singularizar aquela criança ou adolescente. Isso afaga o coração e diminui as dores do afastamento familiar”, declara.
Mas Gelson esclarece que o Natal não é apenas o momento de ser generoso. O trabalho da Rede do Amanhã é, justamente, o de buscar voluntários para trabalhar com esses jovens acolhidos na tentativa de garantir os direitos da criança e do adolescente. “A gente busca voluntários na área de atendimento médico e psicológico assim como quem possa oferecer cursos de capacitação, reforço escolar, atividades de lazer, cultura e esporte”. Quem tiver interesse só precisa fazer a inscrição pelo site anjosdoamanha.tjdft.jus.br e aguardar ser chamado.
Doações
A principal necessidade para os adolescentes acolhidos pelo projeto Aldeias Infantis é de material escolar. Com a proximidade do novo ano letivo, cadernos, canetas, lápis, mochilas e tênis estão em falta para começar os estudos em 2019. Quem tiver interesse em doar pode entrar em contato pelo telefone 3272-3482.