RIO - Fernando Haddad é um intelectual de esquerda que se equilibra entre diferentes correntes de pensamento em busca de moderação. Candidato do PT à Presidência, é formulador de um plano de governo temido pelo mercado por não priorizar o ajuste nas contas públicas. Mas, quando foi prefeito de São Paulo, fez uma gestão marcada pela responsabilidade fiscal. Nestas eleições, recebe críticas por defender uma política econômica considerada intervencionista. No passado, criticou o represamento de preços como forma para conter a inflação, adotado no governo Dilma Rousseff. A duas semanas das eleições, é visto como ambíguo: acena ao mercado, enquanto tenta manter apoio entre aliados.
O paralelo mais frequentemente traçado para imaginar o que seria um governo Haddad é com o primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, principalmente em relação à política fiscal. Cumprindo o que prometeu na “Carta ao Povo Brasileiro”, o ex-presidente orquestrou um forte ajuste, que garantiu superávit primário (economia para pagar juros da dívida pública) de 4,25% do PIB. O exemplo oposto é a passagem de Dilma pelo Planalto, cuja gestão das finanças públicas é criticada até por integrantes do PT.
A prefeitura de Haddad em São Paulo, entre 2013 e 2016, é considerada responsável. O petista entregou a cidade ao sucessor João Doria (PSDB) com cerca de R$ 3 bilhões em caixa e grau de investimento, chancela de bom pagador conferida por agências de classificação de risco, graças a uma renegociação de dívidas com a União. Ao longo do mandato, promoveu corte de gastos.
Em pelo menos duas oportunidades, em 2013 e em 2015, editou decretos determinando a renegociação de contratos para redução de 20% dos gastos de custeio. Segundo dados do Tribunal de Contas do Município (TCM), seu mandato terminou com 37,3% da receita comprometidos com gasto de pessoal, bem abaixo do limite de 60% da Lei de Responsabilidade Fiscal.
O programa do PT ressalta a importância de manter o equilíbrio fiscal, mas diverge dos adversários em relação à necessidade de um ajuste. Na avaliação da sigla, primeiro é preciso fazer o país voltar a crescer. A consequência seria o reequilíbrio das contas. Economistas ortodoxos veem a ordem inversa: política fiscal responsável leva ao crescimento.
Como a prefeitura não é o Planalto, há dúvidas sobre o que esperar de um eventual governo Haddad. Para o economista Samuel Pessôa, crítico do PT e ex-colega do candidato, ainda não é possível decifrar o que ele faria, na prática:
— O que não está claro para mim é quanto disso tudo (propostas defendidas por Haddad) é apenas um discurso político para manter a base. A dúvida que a gente tem é: qual vai ser a gestão econômica dele? Vêm as maluquices que os assessores de Campinas falam ou vem o governo Lula do primeiro mandato?
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A referência de Pessôa é aos economistas da Unicamp que ajudaram a elaborar o plano de governo do partido — Márcio Pochmann é um deles. Na semana passada, Haddad enviou um sinal ao diminuir a influência do economista, um heterodoxo mal visto pelo mercado, no programa do PT, durante sabatina promovida por SBT-Folha-UOL. Questionado sobre a avaliação de Pochmann de que a reforma da Previdência não era urgente, o presidenciável disse que o assessor foi apenas um entre “300 colaboradores” na elaboração do documento do PT.
Idade mínima
Na verdade, o economista era, ao lado Haddad e do ex-deputado Renato Simões, um dos cabeças na formatação geral do programa. Cuidou junto com o ex-prefeito da consolidação das propostas do eixo econômico. Também era um interlocutor frequente de Lula. Chegou, por um período, a coordenar um grupo de economistas que se reunia regularmente no instituto do ex-presidente Lula. Pochmann não quis comentar a fala do candidato do PT.
— A declaração sobre o Pochmann foi um recado claro para o mercado de que caminho o Haddad vai seguir na economia — afirma um aliado do candidato.
O presidenciável tem divergências antigas com o partido. Em artigo na revista Piauí no ano passado, ele narra que resistiu à ideia de segurar tarifas do transporte público, após ser pressionado por Dilma, que via na medida uma forma de segurar a inflação. “Argumentei que o represamento do preço da tarifa não seria um bom expediente para combater a inflação”, escreveu Haddad.
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Hoje, o candidato é criticado por defender projetos vistos por economistas ortodoxos como intervencionistas. O principal deles, do qual o presidenciável não abre mão, é o que prevê a diminuição da tributação de bancos que reduzirem o spread (ganho das instituições com juros de empréstimos) e, consequentemente, elevação para os que não adotarem a prática.
Em outros pontos, no entanto, Haddad já demonstra alguma flexibilidade. De acordo com um aliado, ele deve estabelecer idade mínima na reforma da Previdência que apresentará caso seja eleito, mas com parâmetros diferentes para cada categoria. A medida não está prevista no programa.
Política é como velejar
Outro ponto previsto no plano que o candidato também não está disposto a seguir à risca é o que prevê que o Banco Central deve, ao definir a sua taxa de juros, levar em consideração não só a meta de inflação, como é hoje, mas também a geração de emprego. De acordo com um aliado, o petista não adotará a inovação imediatamente se perceber que o cenário não é favorável.
— Evidentemente, não vamos desconsiderar o mercado, mas não iremos nos guiar por ele — diz um dos coordenadores da campanha petista.
Um aceno importante é sobre o perfil do ministro da Fazenda em um eventual governo. Haddad quer um “pragmático, sem ser sectário”, o que inviabiliza a nomeação de um ortodoxo alinhado totalmente ao mercado.
Assessores estão autorizados a manter diálogo com o setor e também com o mundo empresarial. Mas a avaliação é que, se os gestos forem muito fortes, podem acabar desagradando à base lulista que hoje tem aderido a Haddad.
No mercado financeiro, a expectativa também é se o candidato será mais Lula ou mais Dilma — da qual o próprio Haddad é crítico.
— Se o Haddad seguir esse estilo, pode encaminhar algumas reformas e tentar apaziguar — analisa o economista André Perfeito, da Spinelli.
Uma das pedras no caminho do presidenciável petista pode ser o seu próprio partido. Se os descontentamentos do PT ganharem força, o candidato conta com Lula para enquadrar os líderes insatisfeitos.
— O Haddad fala que a política é como velejar. Nem sempre é possível traçar a rota exatamente como foi planejada. O programa é uma diretriz. Os pontos não são obrigatórios — conta um aliado.