Por que da oração?
Porque vendia as orações milagrosas do “meu padim Ciço”, nas feiras das cidades do Anel do Brejo, na Paraíba. Depois torrava o apurado todinho, na mesa de jogo.
Inácio era de Guarabira, conterrâneo dos poetas Chico Pedrosa e Alberto Oliveira e não podia ver um baralho na sua frente. Baralho só não: qualquer troço que pudesse gerar uma aposta. Onde tivesse alguém ganhando ou perdendo alguma coisa em jogo, Inácio tava no meio.
Igreja, nem pra passar chuva. Mas era devoto do padre Cícero, de quem vendia as orações que lhe mantinham o vício almadiçoado.
A cidade do Acari, no Seridó Oriental do Rio Grande, tem a fama de ser a cidade mais limpa do Brasil porque um artigo do Código de posturas municipais, lá dos idos de mil oitocentos e tantos, determinava que todo casal que habitasse na cidade tinha obrigação de manter limpo o terreiro e o entorno da sua casa. A moda pegou e a população foi levando adiante o costume que perdura até hoje.
Lá, todos vivem asseados e felizes, às margens da bela barragem de Gargalheiras, encravada no meio de montanhas.
Lá também tem a história de uma ventania que passa religiosamente entre doze e doze e trinta do dia. É um vento forte que carrega tudo que vê pela frente e enche os olhos dos matutos menos avisados de ciscos.
Inácio passou por lá uma vez, com destino a Caicó onde ia fazer, Deus sabe o que, quando viu que era dia de feira e que poderia vender ali o seu produto. E vendeu.
Só que perdeu tudo e mais um restinho que trazia pra viagem, pruns matutos infinitamente mais sabidos do que ele. Só restava, agora, convencer o motorista do velho mixto que fazia o trajeto Acari-Caicó. Era só jogar uma “lábia” e o motorista faria um fiado pra receber em Caicó.
Liso e com fome Inácio foi procurar o velho caminhão num beco que ficava perto do cassino. Quem disse que tinha mais mixto?
– Ah seu Zé, saiu daqui indagorinha, se o senhor tivesse chegado um pouquinho antes ainda tinha pegado ele, informou um dos negões carregadores que jogavam dominó na calçada da “rodoviária”.
– Mas tem mais carro, pra Caicó?
– Tem não senhor, agora só semana que entra, esse mixto só sai daqui uma vez por semana.
– E agora, sem dinheiro, sem nada o que é que eu vou fazer?
Um dos negões, ainda foi benevolente:
– O senhor tem alguma bagagem?
– Tenho não, só essa pastinha aqui debaixo do braço, respondeu Inácio esperançoso.
– Tá vendo aquele poste lá na esquina ?
– Tô sim !
– Apois o senhor fique lá em pé, que daqui pra mei dia, mei dia e mei, passa o redemoinho do Acari e vai deixar o senhor lá….