IMORTAL EU SOU
Raimundo Floriano
O Disco-Símbolo da Imortalidade
Fábio Cabral, Fundador da Academia Passa Disco da Música Nordestina, sediada no Recife-PE, me enviou mensagem perguntando quando eu iria tomar posse na referida. Estranhei, pois nem convidado fora. Mas, logo em seguida, Paulo Carvalho, Presidente do Órgão, confirmou-me a boa-nova, informando-me de que eu seria titular da Cadeira n° 10 e que deveria escolher um Patrono.
Não fui com essa de dizer não mereço, não estou à altura, etc. e coisa e tal. Não! Com mais de 50 anos nesta minha cachaça de colecionador e pesquisador da nossa MPB, em especial do Dobrado, do Carnaval e do Forró, divulgando e compartilhando os achados de minha garimpagem, ultimamente no Jornal da Besta Fubana (www.luizberto.com), onde tenho um cantinho, A Coluna de Raimundo Floriano, já estava mais do que na hora de que isso fosse reconhecido por alguém.
E quão grande foi a minha alegria ao constatar que esse primeiro alguém era uma instituição pernambucana, recifense, cujos dirigentes eu conhecia apenas virtualmente, pelo Orkut!
Ainda que nascido no Maranhão e residente em Brasília há quase 50 anos, tenho em minhas veias o sangue pernambucano, conforme passo a explicar.
A colonização de nosso país teve início com a implantação, por D. João III, Rei de Portugal, das Capitanias Hereditárias. Apenas duas delas prosperaram: São Vicente e Pernambuco.
Duarte Coelho Pereira, 1º Capitão Donatário da Capitania de Pernambuco, chegou ao Brasil em 1535, trazendo consigo a esposa, D. Brites de Albuquerque, e o cunhado, Jerônimo de Albuquerque, solteiro, estabelecendo-se em Olinda. Do seu casamento, nasceram dois filhos olindenses: Duarte de Albuquerque Coelho e Jorge de Albuquerque Coelho. Duarte foi o 2° Donatário da Capitania, e Jorge, seu lugar-tenente. Ambos, quando a Pátria Lusa assim o exigiu, partiram para a África, onde Portugal, sob o comando do Rei D. Sebastião, lutava contra os mouros.
Pelo que se sabe, Duarte e Jorge de Albuquerque Coelho não constituíram prole no Brasil. Por seu turno, Jerônimo de Albuquerque saiu-nos além da medida!
O romanceiro cordelista lhe atribui filhos com mais de cem mulheres. Teve-as aos montões, a ponto de receber o cognome de Adão Pernambucano. Oficialmente, deixou 35 filhos, 125 netos e 220 bisnetos. Houve momento, diz-se, em que toda e qualquer família no Nordeste tinha um pingo do seu sangue.
Durante um combate, Jerônimo, bravo guerreiro, foi aprisionado pelos índios tabajaras, antropófagos. Esteve prestes a ser devorado, mas foi salvo pela filha do Cacique Arcoverde, Muira-Ubi, mais tarde batizada Maria do Espírito Santo, com quem se casou, advindo dessa união oito filhos.
O mais importante deles, Jerônimo de Albuquerque Maranhão, expulsou os franceses do Maranhão, em 1615, auxiliado por reforços vindos de Portugal. Devido a tal ato de bravura, foi nomeado capitão-mor daquele hoje Estado, cujo nome acrescentou ao seu. Sou, portanto, descendente desse nobre mameluco. E, detalhe mais impressionante nessa genealogia: tal qual Jerônimo, plantador da semente dos Albuquerques no Brasil, sou casado com uma indígena, cuja avó era nativa da Nação Tapuia.
Dito isso, passo a falar sobre a escolha de minha Patrona, a cantora Elba Ramalho.
No final dos anos 70, a Música Nordestina ressentia-se da carência de representantes femininas que a divulgassem, e também a revigorassem, em universo quase totalmente dominado pelo sexo masculino. Importantes musas do nosso Forró, como Marinês e Anastácia, estavam praticamente aposentadas. Havia, sim, cantoras no Nordeste já consagradas nacionalmente, mas que nada fizeram por nossa Música Regional, como Alcione, Maria Bethânia e Gal Costa.
Tomei conhecimento da existência de Elba Ramalho em 1979, ao ouvi-la no LP Asas da América, num projeto de revitalização do Frevo, no qual interpretava duas faixas: Olha o Trem e A Mulher do Dia, ambas de Carlos Fernando. Gamei na hora! Despontava uma forrozeira nova que, embora no Frevo, já demonstrava a que veio, com sua voz de pastorinha e modo de cantar inteiramente novo e seu. Porém eu queria mais. Queria ouvi-la também no Forró, matando a pau.
E isso não se fez esperar. Ainda em 1979, pelo final do ano, lançou seu primeiro LP, Ave de Prata, onde Canta, Coração, de Carlos Fernando e Geraldo Azevedo, e Bodocongó, de Humberto Teixeira e Cícero Nunes, a entronizaram no sagrado templo do Forró, além de Não Sonho Mais, de Chico Buarque, onde esganiçava a voz, num jeito personalizado de cantar.
Instalara-se ela, assim, no meu gosto e na minha preferência. Desde então, passei a acompanhar o seu trabalho e a adquirir todos os seus registros fonográficos.
Em 1982, após a morte de Jackson do Pandeiro, o Rei do Ritmo, Elba passou a ser minha principal referência na Música Nordestina, porquanto Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, já se encontrava no seu ocaso artístico. De 1979 até agora, gravou uns 30 frevos e cerca de 80 forrós.
Enquanto isso, as exceções nordestinas acima citadas, somadas às novatas, porém já famosas, Daniela Mercury, Ivete Sangalo, Cláudia Leitte, Pitty, Margareth Menezes e outras, passaram e passam ao largo de nossas raízes musicais
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Elba Ramalho é hoje o nosso grande ícone, e, com imensa alegria, vejo surgirem a cada dia novas cantoras espelhando-se no seu estilo, na sua voz, no seu carisma.
Meu fascínio por Elba Ramalho solidificou-se e intensificou-se de tal forma que, em 1983, quando nasceu minha primeira filha, batizei-a com o nome de Elba.
Quando a menina estava com 20 dias de nascida, a cantora, no auge da carreira, veio apresentar-se em Brasília.
Com a ajuda dos meus amigos Luiz Berto e Maurício Mello, na época empresários no Distrito Federal do Forró Pisa na Fulô, consegui que a estrela tirasse uma foto com minha filha nos braços.
Feita a escolha da Patrona, e após a devida comunicação da Academia à cantora, a grande surpresa: nestes tempos de agenda forrozeira lotada, ela aceitou, marcando a solenidade para as 19h00 do dia 27 de maio de 2009.
Assim, no dia 26 de maio, uma terça-feira, parti para o Recife, acompanhado de Veroni, minha mulher, e Mara, nossa caçula – Elba, a da foto, não pôde viajar, devido à sua recente posse em cargo público. Nesse mesmo dia, hospedamo-nos no Hotel Manibu Recife, em Boa Viagem, onde instalei meu Cardinalato.
Comunicada minha chegada ao Papa Berto I, meu amigo desde 1966, pôs ele à minha disposição o papamóvel, choferado pelo eficientíssimo cinesíforo Vilaça que, à noite, nos conduziu ao Palácio Pontifício, localizado no bairro Apipucos.
Elba e Elba, em outubro de 1983
No Palácio Pontifício, o Papa Berto I havia providenciado reunião com alguns clérigos da Igreja Católica Apostólica Sertaneja - ICAS, ou, simplesmente, Igreja Sertaneja, contando com as seguintes presenças, além do Papa e do meu pessoal: Papisa Aline, Papinha João Berto, Cardeal João Veiga, Padre Arnaldo Ferreira, Padre Fábio Cabral e Cila, sua mulher, Padre Ismael Gaião e o leigo Valter Azevedo, amigo orkutiano que, mais tarde, no meu Decreto Cardinalício nº 1, seria nomeado Seminarista.
O Papa lamentou que, dentre os sacerdotes convidados, três houvessem apresentado suas escusas pela ausência naquela ágape, por motivos diversos e justificadíssimos: o Cardeal Zelito Nunes, por estarem ele e Madre Lelê, sua mulher, grávidos de quase nove meses, com o ansiado Gabriel prestes a nascer; o Cardeal Xico Bizerra, devido a seu assoberbamento na composição de mais uma cantiga para Elba; e o Cardeal Paulo Carvalho, por mor de escala no hospital onde dá plantão. Felizmente, tive a honra de conhecê-los na solenidade da minha posse.
Em rega-bofe tocado a uísque, refrigerante e tira-gosto, trocamos ideias, aproveitamos para nos conhecermos e relembrarmos fatos acontecidos no passado. Nessa ocasião, o Cardeal João Veiga me presenteou com o livro Poetas do Repente, editado pela Fundação Joaquim Nabuco, acompanhado de CD e DVD, preciosos documentos para as minhas pesquisas e o meu deleite.
Lá pelas tantas, o Sumo Pontífice convidou todos os presentes a comparecerem ao Escritório Papal, para a inauguração, na parede dessa dependência palaciana, de duas novas placas de logradouros públicos, com nomes de amigos seus. É um modo de o Papa demonstrar sua deferência a alguns privilegiados membros da seita. Salamaleques e rapapés papais!
Ali, em local de destaque, já se encontravam: Avenida Cyll Gallindo, Rua Vladimir Carvalho, Beco do Giba, Viela Orlando Tejo, Arruado Maurício Melo Jr. e Alameda General-Presidente Natanael. Duas novas placas encontravam-se veladas. Descerradas pelo Papa, surgiram os nomes: Esquina Raimundo Floriano e Travessa Arnaldo Ferreira.
Encerrando essa cerimônia, o Padre Ismael Gaião lavrou em livro especial a Ata do Feito e procedeu à sua leitura, após o que foi ela assinada pelos homenageados.
Nada mais havendo a tratar naquela noite, eu e minha família retiramo-nos para o meu Cardinalato, a bordo do papamóvel, quando o cinesíforo Vilaça mostrou sua eficiência, não só como chofer, mas como utilíssimo cicerone, mostrando-nos e explicando-nos belas vistas turísticas da Capital Mauriceia.
No dia seguinte, 27, quarta-feira, às 17h30, Vilaça nos conduziu no papamóvel para a Academia Passa Disco da Música Nordestina, no Shopping Sítio da Trindade, Estrada do Encanamento, aonde chegamos às 19h00 e ficamos aguardando a vinda da estrela, o que logo aconteceu.
Acompanhada do sanfoneiro Cezinha, seu namorado, Elba Ramalho deu início à comemoração, lançando e autografando seu CD Balaio de Amor, posando para fotos com todos os seus inúmeros fãs e esbanjando simpatia e simplicidade, o que nos fez admirá-la mais ainda.
Passou-se, então, à solenidade de minha posse. No palco montado ao ar livre, compondo a Mesa, Fábio Cabral, Paulo Carvalho e o Imortal Luiz Berto, que, como Mestre de Cerimônias, deu início aos trabalhos. Convocou a mim e à estrela para tomarmos lugar diante da Mesa e em frente à plateia. Depois da saudação feita por Luiz Berto aos novos imortais, Elba Ramalho, a Patrona, entregou-me o Disco-Símbolo da Academia e recebeu idêntico troféu das mãos de Fábio Cabral, com a explicação de que um terceiro Disco ficaria exposto em local próprio na Academia, para marcar a perenidade do ato.
Em seguida, o Presidente Paulo Carvalho deu por encerrada a cerimônia, e Elba Ramalho iniciou seu belíssimo e inesquecível show, cantando, principalmente, as faixas do seu CD recém-lançado.
A Academia Passa Disco da Música Nordestina é, por ora, incipiente, embrionária, mas, dentro em breve, sua abrangência alcançará todo o território nacional. Como agora no meu caso, convocando-me em Brasília. A imortalidade dos seus membros se contém no fato de que, daqui a uns 150 anos, quando se der a primeira vacância em qualquer das Cadeiras, o nome do seu Membro inicial e o do Patrono permanecerão caracterizando-a, como ocorre na Academia Brasileira de Letras.
Até o momento em que escrevo estas maltraçadas linhas, são estes os Imortais: Cadeira nº 00 - Fábio Cabral, empresário do ramo fonográfico e promotor cultural, e seu Patrono Luiz Gonzaga; Cadeira nº 01 - Paulo Carvalho, médico, discófilo e pesquisador, e seu Patrono, Jackson do Pandeiro; Cadeira nº 02 - Lina Fernandes, jornalista, e seu Patrono, Xico Bizerra, compositor e cantor; Cadeira nº 03 - Luiz Berto, escritor e agitador cultural, e sua Patrona, Irah Caldeira, cantora e forrozeira; Cadeira nº 04 - Ana Rios, designer, criadora do Disco-Símbolo da Imortalidade, e seu Patrono, Josildo Sá, compositor e cantor; Cadeira nº 05 - Joselito Nunes – o Zelito –, escritor e poeta, e seu Patrono, Pinto do Monteiro, cordelista e cantador; Cadeira nº 06 - Jessier Quirino, arquiteto, escritor, poeta, cordelista e showman, e seu Patrono, Mestre Salustiano, ator, músico, compositor e artesão; Cadeira nº 07 - Paulo Wanderley, pesquisador e colecionador, especializado em Luiz Gonzaga, e seu Patrono, Dominguinhos; Cadeira nº 08 - Maciel Melo, compositor e cantor, e seu Patrono, Zé Dantas, compositor; Cadeira nº 09 - Anselmo Alves, jornalista e cineasta, e seu Patrono, Lampião, o Rei do Cangaço e sanfoneiro; Cadeira nº 10 - Raimundo Floriano, discófilo e pesquisador, especializado em Jackson do Pandeiro, escritor e cordelista, e sua Patrona, Elba Ramalho; Cadeira nº 11 - José Maria Marques, pesquisador, especializado em Luiz Gonzaga, e seu Patrono, João Silva, cantor e parceiro maior do Gonzagão; Cadeira nº 12 - Santanna, compositor e cantor, e seu Patrono, Accioly Neto, compositor e cantor.
Voltemos à grande festa.
Espetáculo com E maiúsculo foi o que aconteceu ali. Elba não se restringiu apenas a brindar-nos com músicas do seu novo disco ou do seu acurado repertório. Chamou ao palco para interagirem com ela não só alguns dos seus compositores ali presentes, mas também outros artistas que acorreram àquela maravilhosa festa: Flávio Leandro, Rogério Rangel, Eliezer Setton, Xico Bizerra, Terezinha do Acordeom, Júnior Vieira, Anchieta Dali, Luizinho Calixto, Cristina Amaral, Kelly Rosa, Hélio Donato e Conjunto Forroviário, Nena Queiroga, Bia Marinho, Josildo Sá e Targino Gondim, tendo sempre Cezinha como sanfoneiro principal. E todo esse pessoal, inclusive a estrela, se apresentando ali de graça, dando canja, sem cobrar sequer um mísero centavo.
O público era imenso e vibrante. Além de inúmeros membros do clero da Igreja Sertaneja, notaram-se ali outros nomes do mundo artístico nordestino, entre músicos, compositores e intelectuais: Fábio Simões, Arimateia Ayres, Lourdinha Oliveira, Tostão Queiroga, Anjo Caldas, Gabriel Sá, João Cláudio Moreno, Gonzaga Leal, Valter Azevedo, Arluce Carvalho, Jeová da Gaita, Nilson Araújo, Ismael Gaião, Paulo Wanderley, Antônio Marinho, Greg Marinho, Júnior do Bode e Marinna Duarte, sua noiva.
Depois de mais de uma hora em cena, a estrela se retirou, mas a festa prosseguiu até quase meia-noite, com muitos dos artistas acima citados revezando-se no palco ou mostrando-me seus trabalhos, presenteando-me com seus CDs, falando-me dos seus planos, consultando-me, enchendo minha bola.
Como último ato dessa extraordinária aventura, vi-me cercado por tietes recifenses, de ambos os sexos, que me instaram a decifrar meu famoso cartão de visita. A cada definição, uma explosão de gargalhadas!
Foi a minha grande noite de fama, gravada para sempre no meu coração!
Meus mais efusivos agradecimentos ao Papa Berto I, extensivos à Papisa e ao Papinha, pelas mordomias postas à nossa disposição, além da hospitalidade oferecida no Palácio Pontifício. E também por ter-me inserido em sua patota e no círculo cultural da Veneza Brasileira.
Meu reconhecimento a duas personalidades recifenses que, na solenidade de minha posse, se destacaram no serviço do meu Cardinalato e da minha Imortalidade: Madre Superiora Neide, auxiliando minha filha Mara com sua máquina fotográfica, e Seminarista Valter Azevedo, que sempre me manteve abastecido, às suas custas, de Coca-Cola Diet e piedosos itens mastigatórios.
Apagados os lampiões, novamente o cinesíforo Vilaça nos conduziu no papamóvel de volta ao hotel.
Às 14h00 do dia seguinte, 27, quinta-feira, pegamos o avião de regresso para Brasília. A bordo, fiquei a matutar no que me acontecera da terça até a quinta, vendo as cenas vividas passarem velozmente em minha mente, como num filme. Será que foi um sonho? Um sonho que durou três dias, no dizer do frevo dos Irmãos Valença?
Foi não!
Prova disso são as 70 fotos que registraram tudo, na sequência de como aqui foi relatado, e que se encontram, no meu álbum virtual orkutiano, à disposição de todos.
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