Digamos que a solidão faz a caminhada parecer mais longa.
Quando eu tinha 22 anos e estava na melhor forma da minha vida, costumava ir de carona até as montanhas da Ilha da Reunião todos os fins de semana para curtir as paisagens estonteantes e as florestas elevadas repletas de musgo. Depois de me formar na faculdade, vivi lá durante um ano e dava aulas de inglês no ensino fundamental. Nos meus dias de folga, caminhava até escurecer, comia minha marmita e montava a rede na beira da trilha.
A Ilha da Reunião, uma antiga colônia francesa que se tornou um departamento ultramarino em 1960, é um pontinho de rocha vulcânica a cerca de 650 quilômetros de Madagascar. Um paraíso natural com enormes cachoeiras e pontos de surfe famosos no mundo todo, a ilha faz jus ao apelido. Porém, nos últimos tempos, a Ilha da Reunião ficou conhecida por um extremo que não ajuda em nada o turismo: desde 2011, foi palco de um em cada três ataques fatais de tubarão no mundo.
Essa informação causou uma crise no turismo desse lugar que é considerado o Havaí da França: Um relatório publicado em 2014 revelou que cerca de 60 por cento dos turistas com planos de visitar a ilha cancelaram suas viagens nos dias seguintes a ataques de tubarão. Mas o choque parece ter incentivado as autoridades do turismo regional a assumir o ponto de vista da população local, que sempre se gabou do interior montanhoso da ilha.
Em 2014, a secretaria de turismo da Ilha da Reunião lançou uma campanha com o slogan "Pensando em fazer uma trilha? Venha para a Ilha da Reunião", ao lado de imagens de casais bronzeados curtindo a vista da montanha. A secretaria passou a investir mais em mercados apaixonados por trilhas, como a Alemanha, e enviou pelo correio um abacaxi da Ilha da Reunião para dois mil franceses que visitaram o site da ilha. Agora, as campanhas de turismo dizem que a Ilha da Reunião é "intensamente relaxante" e a secretaria firmou uma parceria com a revista francesa "Géo" para um concurso on-line que escolheu uma das trilhas mais conhecidas da ilha, a GRR1, como "a trilha mais bonita da França".
Decidimos percorrer essa trilha e optamos por um percurso de três dias que nos levaria aos três cirques – ou crateras – formados por um vulcão dormente que deu origem à Ilha da Reunião. Em nossa primeira manhã, saímos do litoral para o Cirque de Salazie até Hellbourg, um vilarejo de ruas estreitas e casinhas de boneca às margens da cratera. O trecho que leva à GRR1 conta com várias trilhas que começam na cidade. Do ponto de partida, passamos por enormes bambuzais e pés de chuchu, que crescem naturalmente no lado leste da ilha, e ziguezagueamos por um penhasco até a Floresta de Bélouve.
Ali, você pode parar para tomar um café no Bélouve Inn e visitar uma pequena exposição sobre a história da floresta, na qual aprendemos que apenas um artesão continua a fazer as tradicionais telhas de tamarindo, que já foram comuns em toda a ilha.
De lá, a GRR1 segue na direção noroeste até uma floresta fechada e incrivelmente úmida, cheia de samambaias gigantes e recoberta com mais de 60 centímetros de musgo. A trilha é difícil, mas é mantida impecavelmente pelo serviço florestal francês. Escadas de alumínio e pequenas pontes ajudam nos trechos mais perigosos, assim como as longas passarelas de aço, que dão firmeza nas áreas pantanosas.
A Ilha da Reunião tem apenas 48 quilômetros de uma ponta à outra, mas, no centro, o antigo pico vulcânico da Piton des Neiges ultrapassa as nuvens e alcança mais de três mil metros de altitude, criando uma infinidade de microclimas em suas encostas e dividindo a ilha em um lado "úmido" e outro "seco". Em um mesmo dia de chuva torrencial em Bras Panon, onde vivi em uma fazenda de lichias na costa leste, poderia haver 12 horas de sol forte nos pomares de cítricos no lado oeste.
Em Cilaos, chegamos a Case Nyala, uma charmosa pousada de cinco quartos, a tempo de tomar banho e correr para o jantar. No Chez Noé, você poderá provar especialidades locais, como frango cozido com baunilha e gruyère gratinado com chuchu, ou palmito fresco, além de muitas opções de bebida – uma garrafa de vinho local, ou uma caneca da cerveja fabricada na ilha, a "Dodo". (Gastamos 50 euros no jantar para dois com bebidas.)
Na manhã seguinte, aproveitamos a vista panorâmica das montanhas escarpadas na Case Nyala enquanto tomávamos café e comíamos uma pilha de crepes com iogurte caseiro e mais de uma dezena de geleias artesanais (tomate-de-árvore, laranja com papaia, abacaxi com morango). Depois de uma parada na farmácia para reforçar os curativos, encurtamos a próxima fase da caminhada e tomamos um ônibus municipal cor-de-rosa até o início da trilha, alguns quilômetros adiante.
Finalmente, pudemos curtir a vista enquanto subíamos, e observamos a sombra das nuvens no cânion sinuoso que vai de Cilaos até a costa oeste da Ilha da Reunião, onde as pessoas costumavam ir para surfar. Depois de duas horas de subida constante, chegamos ao Col du Taibit, onde encontramos um santuário dedicado à Virgem Maria às margens da trilha. Esse caminho rochoso é a entrada de Mafate, a terceira e mais inacessível cratera da Ilha da Reunião, batizada em homenagem a um líder quilombola que fugiu da escravidão no início do século XVIII e fundou um quilombo nas montanhas.
Trezentos anos depois, ainda não existem estradas até Mafate. Em vez disso, os cerca de dez vilarejos espalhados pela cratera são abastecidos a pé, no lombo de mulas ou, cada vez mais, de helicóptero. Atualmente, a economia de Mafate depende dos turistas que fazem trilhas e passam em busca de relaxamento e vistas estonteantes da montanha.
Um dos maiores prazeres de mochilar pela Ilha da Reunião é não ser obrigado a dormir em barracas – nem ter de carregar mais de uma muda de roupas e alguns lanchinhos para a trilha. Na densa rede de vilarejos da montanha em Mafate, é possível passar a noite em um gîte, ou pousada, onde há sempre cama e comida quente.
Caminhar por Mafate em um dia limpo faz você suspirar o tempo todo com as incontáveis paisagens, de tirar o fôlego, nos desfiladeiros às margens da cratera. Um dos meus lugares prediletos na ilha surgiu durante uma pausa na saída do cirque: a Plaine des Tamarins, um vale sombreado repleto de troncos retorcidos e folhas oblongas perfeito para um encontro de druidas.
Depois de uma pausa, caminhamos até a barreira que separa Mafate de Salazie, onde a neblina havia frustrado nossas tentativas anteriores de ver o lado oeste da ilha. Na passagem, finalmente pudemos ver uma paisagem tão incrível quanto a topografia; a água jorrava de cachoeiras em todos os cantos da montanha em frente a Hellbourg, onde a trilha começou.
Quando cheguei pela primeira vez à Ilha da Reunião, as montanhas eram meu refúgio contra a saudade de casa nos fins de semana em que estava sozinho. Foi muito bom poder voltar acompanhado.