IDÍLIO RETROSPECTIVO
Raul Pompéia
Jamais dous entes se amaram tanto.
Um era para o outro, e ambos para o amor; um amor egoísta, feroz, exclusivo, selvagem, adorável, único.
Tanto ardor era um perigo.
As fogueiras imensas correm sempre o risco de morrer depressa.
Mas aquele amor parecia inextinguível como o fogo de Vesta.
Durante o dia, viviam na comunidade do seu afeto, idolatrando-se mutuamente, com toda a energia de adoração que o olhar possui. Durante a noute, a ilusão do sonho prolongava deliciosamente a ventura dos dias...
Depois, separaram-se, por uma fatalidade... Cada um sepultou religiosamente no mais sagrado recôndito de sua alma a relíquia rara e santa daquela paixão...
Veio então essa cousa terrível que se chama o tempo...
Um ano... dous anos... quarenta anos passaram-se sobre aqueles peitos.
E cada ano que passa é uma túnica de pedra que reveste os corações.
Ela passara quarenta anos no Sul, ele os passara no Norte.
Agora encontravam-se os velhos.
Ela começava a ficar corcunda, a multidão dos netinhos comprimia-se-lhe timidamente nos joelhos, pedindo bênção. O formoso rosto de outrora era uma ruína então; sentia-se, a subir, a hora dos anos. Aqueles lábios que mal se viam, tinham saudade dos lábios de quinze anos, que tão lindos sorrisos souberam fazer... Apenas os olhos, macios como a luz da lua, os dous grandes olhos, eram os mesmos ainda.
Parece até que as sobrancelhas de prata os faziam mais belos. Restava essa compensação.
Às ruínas daquele rosto ficara a doce consolação do luar daqueles olhos..
O venerando sexagenário arredou afetuosamente as e magras da avó e colo crianças, tomou as mãos rugosas as longamente aos lábios.
Beijava, nas rugas daquelas mãos, a suave recordação dos bons idílios dos vinte anos.