De que me vale o relógio no pulso, se ele não me informa se é dia ou noite. São 9 e 15, diz o apetrecho em meu braço, mas da manhã ou da noite? Não sei. Como também não sei se chove ou faz sol, calor ou frio do lado de fora daquele quarto escuro, cortinas fechadas, na solidão de um apartamento hospitalar. Só sei que as 4 horas que meu relógio marca são da tarde quando a enfermeira chega, pontualmente, para aplicar-me uma injeção subcutânea na barriga, para evitar eventual trombose. Às seis, descubro ser quase noite, quando adentra a responsável pela alimentação, trazendo a sopa, os pãezinhos, um bolo, café e leite para servirem de jantar. O iogurte sobrava todo santo dia e ainda hoje não suporto ver o danado na prateleira do supermercado. Nunca tinha experimentado solidão tão brutal, impedido de receber visitas (Covid é terrível até nisso), totalmente ausente do mundo exterior por 30 dias, sem rádio ou ‘notiça das terra civilizada’. Nunca liguei a TV. Sentia-me acuado, condenado, encarcerado em minha própria solidão. Por outro lado, nunca valorizei tanto a vida depois que tive alta e voltei para casa, curado. Resta-me agradecer a Deus por ter esse COVID bem longe de mim e, num futuro próximo, vê-lo como coisa do passado, não mais presente entre nós. Que os anjos me defendam, e aos que quero bem, da solidão do 217.
OBSERVAÇÃO IMPORTANTE:
Dentre os inúmeros defeitos que tenho, não relaciono a ingratidão como tal. E seria um proceder ingrato não registrar o atendimento que recebi do corpo técnico – médicos, enfermeiros e técnicos do Hospital Esperança durante minha estada por lá. A todos, pelo interesse, carinho e competência, e ao pessoal do apoio (copa, hotelaria, limpeza), minha eterna gratidão e agradecimento sincero, por estar vivo e curado.
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