Banca de revista Visconde de Albuquerque
No início dos anos dois mil Joca Oliveira era um entusiasta das ideias petistas. Acompanhava de perto todas as manifestações no campus da UFPE, onde estudava Economia e Direito. Também frequentava a Livro 7, onde lia livros comunas. Donde houvesse freges, saraus, recital de poesia, lá estava ele presente gritando fervorosamente que Lula era o único homem capaz de libertar o Brasil e o povo oprimido das garras do FMI, o monstro financeiro criado em 27 de dezembro de 1945 por 29 países-membros com objetivo inicial de ajudar na reconstrução do sistema monetário internacional no período pós-Segunda Guerra Mundial, mas que no fundo, segundo esses sectários, tinha o objetivo claro de escravizar os países emergentes da América Latina e fazer do seu povo vassalo.
Por essa época, quando ainda nem se sonhava com internet, Joca Oliveira não tinha dinheiro para comprar livros, revistas, jornais, principalmente do sul. Começou a frequentar uma banca de revista na Madalena. Fez amizade com os proprietários. Quando tinha dinheiro comprava um jornal e uma revista para se atualizar nos assuntos políticos. Quando não tinha, lia o que podia antes que alguém comprasse e ia para casa sonhar com o socialismo…
O jovem sonhador que veio do interior dos palmares estudar na federal tornou-se amigo dos donos da banca de revista, pegou confiança, e quando não tinha dinheiro para comprar o jornal e a revista os donos lhe autorizavam a levar para casa e pagar no final do mês, quando ele recebia o dinheiro de uma bolsa paga pela UFPE para os estudantes carentes que moravam na Casa dos Estudantes.
Joca Oliveira, como todo jovem sonhador da época, começou a comprar revistas e livros aos montes e quando a bolsa que recebia não dava para pagar tudo, comprava mais e o restante deixava lá no “pindura” para pagar depois.
O débito, tanto na banca de revista quanto na Livro Sete, foi se acumulando ao ponto de Joca Oliveira não ter mais dinheiro para pagar e deixou de frequentar a banca de revista com vergonha de não ter dinheiro para pagar aos proprietários.
Por essa época o PT já havia conquistado a presidência com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva. A “esperança” havia chagado ao planalto e o Brasil vivia a expectativa e a euforia de uma nova realidade, com liberdade, bonança, empregos para todos, distribuição de renda e o pagamento da dívida externa para se livrar das garras do FMI.
Depois de formado em Economia e Direito Joca Oliveira vivia a angústia de estar desempregado e não lhe saia da cabeça os débitos que havia contraído na banca de revista e na Livro Sete e não poder pagá-los.
Dois anos depois de formado, Joca Oliveira fez um concurso para Oficial de Justiça na Federal, passando em nono colocado com os conhecimentos que havia adquirido lendo os jornais da banca de revista e os livros da Livro Sete.
Chamado para exercer o cargo de Oficial de Justiça na Federal, depois de três anos afastados do estágio da UFPE e vivendo só de bicos, pois não tinha vocação para advocacia nem economia, Joca Oliveira, quando recebeu seu primeiro salário resolveu ir até à banca de revista pagar os débitos atrasados há mais de cinco anos.
Quando chegou na banca de revista os proprietários tomaram um susto, porque aquela altura dos acontecimentos imaginavam que Joca oliveira tivesse morrido ou fosse um caloteiro contumaz, desses que aparecem todos os dias em qualquer esquinas travestidos de santidade. Por isso já tinham perdido a esperança de receber o “pindura.”
– Olá Paulo, olá João! Tão me conhecendo? Eu sou o Joca, aquele que deixou um “pindura” aqui de jornais e revistas! Quero pagar, mas não sei quanto é o valor corrigido.
Surpresos com a visita e a honestidade do palmeirense, os donos da banca de revista se entreolharam e apenas disseram:
– Meu amigo, pague o que você achar que deve! A gente já dava esse dinheiro por perdido há muito tempo…
Joca Oliveira não titubeou. Puxou a carteira do bolso e deixou uma quantia para os proprietários da banca, se desculpando pelo atraso.
Com o dinheiro na mão e não sabendo como reagir diante de tamanha honestidade, os donos da banca de revista apenas disseram: obrigado, e, mais uma vez se entreolhando, afirmaram:
– Você salvou todos os caloteiros que nos devem!