“ Este deve ser o primeiro momento da história em que as distâncias entre gerações são tão grandes”, questiona a polonesa Olga Tokarczuk em "Ognosia", texto de abertura de seu livro “Escrever é muito perigoso”. Partindo do princípio de que temos em média 70 ancestrais até os tempos de Cristo, a ganhadora do Nobel de Literatura de 2018 conclui: “Hoje, a diferença entre netos e avós é maior do que a que havia antigamente entre os habitantes de Nova York e Sandomierz. Para comparar bisnetos com bisavós, seria necessário pensar em distâncias interplanetárias”.
Partindo desse raciocínio, fica ainda mais impactante pensar que Mario Jorge Lobo Zagallo, homenageado hoje na sede da CBF, atravessou três gerações do futebol brasileiro —com papel relevante em todas. Foi o Formiguinha, um jogador que ajudou a reinventar o conceito tático da seleção bicampeã em 1958 e 62. Foi Zagallo, o treinador que acomodou os talentos que levaram o Brasil ao tri em 70. Foi o Velho Lobo, o coordenador técnico de declarações enfáticas que amparou Carlos Alberto Parreira na conquista do tetra em 94.
Vamos nos lembrar de Zagallo não apenas por seus trabalhos, mas pelas frases e imagens marcantes de um dos maiores personagens da história do futebol brasileiro. "Vocês vão ter que me engolir" é a primeira que vem à mente, mais ainda depois de ter sido repetida à exaustão nas reportagens exibidas desde a noite de sexta-feira, quando soubemos de sua partida, aos 92 anos. A minha preferida é a dos cabelos brancos esvoaçantes na semifinal de 98, sua revanche contra a Holanda, segurando o rosto de Taffarel para incentivá-lo na disputa de pênaltis. Poderia citar ainda o tombo para trás no Maracanã depois do gol de falta de Petkovic, mas seria injusto associar apenas ao Flamengo um profissional que teve passagens relevantes pelos quatro grandes clubes do Rio.
Um ano depois do nosso tempo sem Pelé, começa o nosso tempo sem Zagallo. A distância entre gerações no futebol brasileiro nunca foi tão grande.