HISTÓRIA DE UM DOMINÓ
Arthur Azevedo
Perdoem-me os leitores se eu, de ordinário alegre, venho contar-lhes uma história triste, num dia em que todos estão predispostos ao riso; mas. . . que querem? Tenho uma natureza especial: o Carnaval entristece-me, e o "Abre alas, que quero passar" soa aos meus ouvidos como um canto de agonia e de morte.
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Dado esse pequeno cavaco, saibam os leitores que conheço um homem, o Abreu, que é o mais triste dos homens: só se compraz na solidão e no silêncio, não tem amigos, vive só, e nunca ninguém o viu rir, nem mesmo sorrir.
Entretanto, esse casmurro, em chegando o Carnaval, veste um dominó e sai à rua mascarado. Isto são favas contadas todos os anos. O ano passado, um vizinho teve a curiosidade e a pachorra de mascarar-se também para acompanhá-lo a certa distância, e observar o que ele fazia.
Era domingo gordo; toda a população estava na rua. O Abreu apeou-se do bonde, o mesmo bonde em que vinha o curioso que o acompanhava, um bonde do Catumbi, o bairro onde moravam ambos, e desceu com muita dificuldade a Rua do Ouvidor. Chegando em frente à casa de um alfaiate, em cuja porta estavam sentadas algumas donas e donzelas à espera das Sociedades, parou, encostando-se na parede da casa fronteira, e ali se deixou ficar, pregando no grupo das senhoras os olhos, que faiscavam através dos dois buracos da máscara de seda.
O Abreu demorou-se ali seguramente meia hora, e o vizinho, farto de esperar, resolveu abandoná-lo, dizendo consigo: – Ora! É um esquisito!... Deixemo-lo!...
Deixou-o efetivamente, mas uma hora depois, voltou, e ainda lá encontrou o Abreu no mesmo ponto e na mesma posição em que o havia deixado. Examinou então com mais cuidado o grupo das senhoras, e reconheceu, surpreso, que uma delas era a mulher do Abreu.
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Sim, que o Abreu tinha sido casado com uma bonita mulher que um dia o abandonou para amancebar-se com um sujeito que ele supunha seu amigo, e ao qual abrira confiadamente as portas de sua casa. O amante lá estava por trás do grupo também à espera das Sociedades. Toda a gente os supõe casados.
Desde que lhe sucedeu essa desgraça, o Abreu tornou-se triste, e sua tristeza durou e dura ainda, porque ele amava profundamente aquela ingrata. Amava-a tanto, que neste mundo só uma coisa lhe proporcionava um simulacro de prazer: vê-la de perto.
Entretanto, os leitores compreendem que o Abreu não poderia procurar a miúdo tão singular espécie de consolação, e, nos raros encontros fortuitos que tinha com ela, não a encarava de modo a satisfazer aquele apetite mórbido.
Mas, uma vez, há cinco anos, disseram-lhe que sua mulher tinha assistido ao Carnaval sentada à porta do alfaiate e, no ano seguinte, o Abreu, metido num dominó alugado, foi verificar se ela escolhera o mesmo ponto. Encontrou-a, e, durante muitas horas, conseguiu vê-la de perto e à vontade.
Daí por diante, o infeliz marido não perdeu um Carnaval, e é muito provável que amanhã lá esteja a postos em frente à casa do alfaiate. Os leitores, com alguma pachorra, poderão certificar-se de que este conto não é inventado.