HINO AO SONO
Castro Alves
Ó sono! ó noivo pálido
Das noites perfumosas,
Que um chão de nebulosas
Trilhas pela amplidão!
Em vez de verdes pâmpanos,
Na branca fronte enrolas
As lânguidas papoulas,
Que agita a viração.
Nas horas solitárias,
Em que vagueia a lua,
E lava a planta nua
Na onda azul do mar,
Com um dedo sobre os lábios
No vôo silencioso,
Vejo-te cauteloso
No espaço viajar!
Deus do infeliz, do mísero!
Consolação do aflito!
Descanso do precito,
Que sonha a vida em ti!
Quando a cidade tétrica
De angústias e dor não geme…
É tua mão que espreme
A dormideira ali.
Em tua branca túnica
Envolves meio mundo…
É teu seio fecundo.
De sonhos e visões,
Dos templos aos prostíbulos,
Desde o tugúrio ao Paço,
Tu lanças lá do espaço
Punhados de ilusões!…
Da vida o sumo rúbido,
Do hatchiz a essência
O ópio, que a indolência
Derrama em nosso ser,
Não valem, gênio mágico,
Teu seio, onde repousa
A placidez da lousa
E o gozo do viver…
Ó sono! Unge-me as pálpebras…
Entorna o esquecimento
Na luz do pensamento,
Que abrasa o crânio meu.
Como o pastor da Arcádia,
Que uma ave errante aninha…
Minh’alma é uma andorinha…
Abre-lhe o seio teu.
Tu, que fechaste as pétalas
Do lírio, que pendia,
Chorando a luz do dia
E os raios do arrebol,
Também fecha-me as pálpebras…
Sem Ela o que é a vida?…
Eu sou a flor pendida
Que espera a luz do sol.
O leite das eufórbias
Pra mim não é veneno…
Ouve-me, ó Deus sereno!
Ó Deus consolador!
Com teu divino bálsamo
Cala-me a ansiedade!
Mata-me esta saudade.
Apaga-me esta dor.
Mas quando, ao brilho rútilo
Do dia deslumbrante,
Vires a minha amante
Que volve para mim,
Então ergue-me súbito…
É minha aurora linda…
Meu anjo… mais ainda…
É minha amante enfim!
Ó sono! Ó Deus noctívago!
Doce influência amiga!
Gênio que a Grécia antiga
Chamava de Morfeu
Ouve!… E se minha súplicas
Em breve realizares…
Voto nos teus altares
Minha lira de Orfeu!…