04 de janeiro de 2021 | 08h51
BERLIM — Quando o diretor Paul Greengrass se preparava para rodar seu novo filme, Relatos do Mundo (News of the World), a respeito de um veterano da Guerra Civil Americana no Texas dos anos 1870 que acompanha uma órfã cruzando o estado na jornada até seus parentes, ele esperava um desafio significativo.
“É o primeiro filme que fiz girando em torno de uma atriz infantil", disse ele recentemente pelo telefone.
Ele se deu conta que a escolha do elenco seria difícil em diferentes sentidos. Embora a personagem esteja em cena durante a maior parte do filme, ela tem poucas falas. Tom Hanks já tinha aceito o papel principal, de modo que a atriz “contracenaria diretamente” com um superastro, disse Greengrass. “Uma tarefa muito, muito difícil.”
Mas uma das primeiras crianças que ele viu durante os testes em 2019 foi Helena Zengel, então com 11 anos, uma menina de Berlim cheia de energia e com o cabelo platinado.
“Não cheguei a considerar outra candidata para o papel", disse ele. “Foi a decisão mais fácil do filme.”
News of the World, que estreou nos cinemas americanos e canadenses no dia 25 de dezembro e deve chegar a outros países via Netflix em fevereiro, é a grande estreia internacional de Helena, que já se tornou uma das atrizes (que dirá atrizes mirins) mais faladas a surgir da Alemanha nos anos mais recentes.
Ela foi muito elogiada no ano passado por seu retrato de uma garota de 9 anos quase selvagem no filme System Crasher, que recebeu a indicação alemã de melhor filme estrangeiro na premiação do Oscar. Essa interpretação rendeu a ela o prêmio de melhor atriz no Lola, equivalente alemão ao Oscar, fazendo dela a mais jovem a receber o prêmio.
Em News of the World, a personagem de Helena, Johanna Leonberger, torna-se órfã quando os pais são violentamente assassinados em sua fazenda quando ela tem 4 anos. Levada e criada pela tribo Kiowa, ela é afastada dela por soldados, e um veterano viajante, interpretado por Hanks, concorda em levá-la até um casal de tios.
Helena foi muito elogiada pelo papel, com os críticos exaltando sua capacidade de imprimir algo de terno e inteligente a uma personagem desafiadora e alienada, e por canalizar os horrores do passado de Johanna em silêncio quase total. A maioria das falas dela são em Kiowa, idioma que ela teve de aprender para o papel.
Falando por chamada do Zoom recentemente, Helena parecia muito mais risonha e loquaz do que seus papéis recentes sugeririam - mais parecida com uma garota normal de 12 anos. Ela disse que, como a maioria das alemãs da sua idade, passou a maior parte do ano em casa, e estava atualmente de quarentena porque alguns colegas tinham testado positivo para o coronavírus.
Ela disse que, antes de ser escolhida para o filme, nunca tinha ouvido falar em Hanks.
“Acho que já tinha visto Código Da Vinci, mas não sabia quem ele era", disse ela. “Pensei que fosse só algum ator.”
Por e-mail, Hanks elogiou a capacidade de Helena de atuar “sem tensão, sem apreensão nem consciência de si", dizendo que gostaria de ter “sua facilidade e simplicidade".
Helena disse que nunca fez aulas de atuação, “pois não sei se realmente há muito o que aprender".
“Fico diante da câmera, sei o que quero fazer, e simplesmente faço", disse ela, prática.
A mãe dela, Anne Zengel, explicou que essa concentração e força de vontade são uma característica da filha desde pequena. De acordo com ela, seus primeiros contatos com a atuação, aos 4 anos, foram fruto principalmente do cansaço dos pais, pois a filha tinha “três vezes mais intensidade” do que as outras crianças e fazia manha quando contrariada.
“Ela tinha que funcionar dentro da sociedade, e então buscamos uma forma de redirecionar essa energia", disse ela.
Ela matriculou Helena em aulas de patinação no gelo e a incentivou a atuar. Depois de alguns papéis menores em séries policiais da TV alemã, como filha de um ladrão de bancos ou uma garota que cai da ponte, ela acabou recebendo o papel principal em um filme alemão de arte, Dark Blue Girl, aos 7 anos.
“Em algum momento, aconteceu o que eu torcia para que acontecesse", disse a mãe ela. “A intensidade dela passou a ser valorizada.”
Em 2017, Helena chamou a atenção de Nora Fingscheidt, diretora alemã de System Crasher, um drama difícil a respeito de uma menina chamada Benni que é alvo de abusos quando bebê e é abandonada pela mãe, posteriormente atacando seus cuidadores e a sociedade ao seu redor. O filme trazia uma série de cenas chocantes, incluindo uma sequência de violência entre crianças.
Em entrevista, Nora explicou que precisava de uma atriz infantil capaz de transmitir o lado físico frequentemente assustador de Benni, ao mesmo tempo suportando o fardo psicológico do papel.
Ela ficou impressionada com a “qualidade cinematográfica [de Helena], sua pele branca quase translúcida, o cabelo branco que lhe dava a aparência de um anjo, mas com uma ambivalência fascinante", disse ela. Durante o teste da atriz mirim, quando pediram a ela que improvisasse uma cena na qual “se descontrola”, gritando e arremessando objetos, Nora disse ter reparado em como os “olhos dela brilharam quando lhe disse que poderia se comportar tão mal quanto quisesse".
Nora disse que, para ajudar Helena a distinguir entre si mesma e a personagem traumatizada, as duas imitavam uma cena após as filmagens, com a diretora erguendo o braço feito um chuveiro e a menina fingindo se lavar, indicando a transição de volta a si mesma. A diretora acrescentou que Helena também escrevia um diário para ajudá-la a processar as emoções.
Helena disse que a experiência de filmar System Crasher ajudou-a a se preparar para o papel de Johanna, que ela reconheceu ser “menos extremo".
Agora Helena confronta a estranha realidade da fama internacional enquanto se vê presa em casa, concluindo o sétimo ano. No segundo trimestre do ano, a revista Variety a indicou como um dos “atores e atrizes que devemos acompanhar", e ela disse ter recebido ofertas de outros papéis nos meses mais recentes, mas espera o fim da pandemia antes de tomar novas decisões.
Ela se disse aberta à ideia de uma mudança para os Estados Unidos, embora a mãe insista que ela tenha uma infância normal. A cultura das celebridades na Alemanha, mais discreta, é outro conforto.
“Atuação é uma coisa que simplesmente fazemos, e enquanto isso nos deixar felizes, estaremos atuando bem", disse Helena. “Além disso, é divertido correr e gritar pelo set.” / Tradução de Augusto Calil