Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Marcos Mairton - Contos, Crônicas e Cordéis quarta, 31 de julho de 2019

GREVE DE ALEGRIA

 

GREVE DE ALEGRIA

Em 1999, escrevi um conto e depois apaguei o arquivo. Não quis mostrar o texto a ninguém. Achei que a história não merecia publicação. Mais que isso, achei que não deveria ser lida, porque estimulava sentimentos ruins, destrutivos.

No conto, uma quantidade imensa de brasileiros havia cansado dessa história de sermos um povo que enfrenta os problemas com alegria e bom humor, muitas vezes rindo de nós mesmos.

Dava-se, então, que vários grupos organizavam-se pelo país, em torno de uma mesma ideia. Como se houvessem combinado, decidiram protestar de um mesmo modo inovador: uma espécie de greve de alegria.

Parariam de rir, deixariam de festejar, evitariam demonstrar alegria, qualquer que fosse o motivo, enquanto o país não resolvesse seus principais problemas (que, naquela época, eram mais ou menos os mesmos de hoje).

Na ficção, os movimentos adquiriam um grande número de adeptos, de modo que as manifestações de apatia, tristeza e irritação espalhavam-se pelo país. É verdade que, como havia muitos grupos, independentes entre si, que organizavam os protestos, cada um se queixava por motivos diferentes. Na soma dos esforços, porém, o resultado era que o Brasil havia se tornado um lugar esquisitíssimo.

Continuava tendo carnaval, mas as músicas muitos blocos e escolas de samba eram tristes. E, ao invés de dançar, as pessoas andavam cabisbaixas ao lado de trios elétricos.

Continuava a haver futebol, mas, a cada gol, a reação de boa parte da torcida era fazer um minuto de silêncio. Se fosse um gol muito bonito, um golaço mesmo, era provável que recebesse uma sonora vaia.

E, assim, pela obstinação desses heróicos brasileiros em se mostrar insatisfeitos com seus problemas políticos, econômicos e sociais, o Brasil passava a ser, na minha ficção, um país movido pela tristeza, a indiferença, a raiva e quaisquer outros sentimentos que deixassem clara a infelicidade e a insatisfação do nosso povo.

Ocorre que, quando escrevo ficção, é como se eu acessasse um universo paralelo, onde as coisas que imagino acontecem de verdade. Assim, minha atividade de escritor limita-se a observar o que se passa nesses mundos imaginários, narrando-os, em seguida, na forma escrita.

Consequentemente, as situações que descrevo em meus contos são imaginárias, mas os sentimentos advindos da observação desses fatos são reais. E, nesse caso, eram sentimentos não eram nada construtivos (percebo-os novamente agora, enquanto escrevo esta crônica).

Eis o motivo pelo qual entendi, naquela ocasião, que não valeria a pena compartilhar com ninguém a história que acabara de escrever.

A par disso, hoje, vinte anos depois, lembro dela.

E o resultado dessa lembrança é a vontade de dizer aos meus leitores que, se alguém lhes propuser novas formas de protesto, que consistam em transformar momentos de diversão e entretenimento em protestos políticos, cuidado!

Cuidado para que essa suposta eficiente maneira de protestar não seja o primeiro passo para contaminar politicamente momentos das nossas vidas que poderiam ser bem mais divertidos.

Sim, a política é importante — é muito importante! — mas há outros aspectos da vida que precisam ser levados em consideração.

Temos a família, temos os amigos e temos ainda nós mesmos, que precisamos de momentos de leveza em nosso dia a dia. Ocasiões nas quais possamos apenas relaxar, nos divertir, sem transformar esses momentos de diversão em palanque político.

Manifestações artísticas, como a música, o cinema ou o teatro, sempre foram ferramentas para a manifestação política. A própria comédia é uma da mais eficazes maneiras de protestar. Mas, a arte também fala de amor, ternura e amizade.

Então, será que devemos ir ao cinema ou ao teatro com a predisposição de fazer daquele momento um ato político? E o churrasco com a família, no domingo? Será que é a ocasião adequada debatermos nossas preferências ideológicas?

Não tenho a resposta. Sequer estou dizendo que qualquer conduta nessas ocasiões seja certa ou errada. Estou apenas sugerindo ao querido leitor que reflita se vale a pena trocar a emoção do jogo de futebol (ou qualquer outro esporte de sua preferência) pela do protesto na arquibancada.

A questão é: vale a pena fazer de cada momento de lazer uma ocasião para proferir palavras de ordem?

Admito que, vinte anos atrás, quando escrevi aquele conto, eu até achava que sim. A par disso, ao fim do processo criativo, não gostei do estado de espírito em que me encontrava. Li o meu próprio texto e não gostei do que senti.

Felizmente, era apenas uma obra de ficção, com remotíssimas chances de se tornar realidade. Bastava apagar o arquivo e não haveria maiores consequências.


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