Grazi Massafera chega à portaria de seu prédio, em São Conrado, carregando um garrafão de três litros de água (“recomendação médica”) e um calhamaço de textos que precisa decorar para “Bom sucesso”, novela das 7h que protagoniza a partir do próximo dia 29. Até o momento, ela havia encarado essa quantidade de texto (uma pilha de cerca de cinco centímetros de altura) durante uma novela inteira. Agora, são suas falas em apenas 20 capítulos. Um desafio e tanto para a menina que, aos nove anos, chegou a fazer “xixi na calça” por medo de não lembrar o conteúdo na hora de uma prova oral na escola.
Virada de jogo
Grazi interpreta Paloma, uma costureira batalhadora que se vira para sustentar três filhos (“tá cheio de mulher assim, que resolve tudo, no Brasil”). É um universo que ela conhece bem. Sua mãe é costureira e virou chefe de família quando separou-se do pai da atriz (ela tinha 9 anos). Quando deu de cara com a máquina de costura no estúdio da Globo pela primeira vez, Grazi se emocionou.
— Me vi criança, embaixo da máquina, cortando tecido para fazer roupinha de boneca — lembra. — Até hoje, aquele barulho me é muito familiar, entra nos meus sonhos.
Grazi aparece em praticamente todas as primeiras cenas da novela (“vou assistir embaixo da cama, só com os olhinho s de fora”), mas ralou bastante até conquistar essa confiança de autores, diretores e colegas atores. Sofria preconceito por ser ex-BBB e foi tão criticada pelos seus primeiros trabalhos como atriz que pensou em largar a profissão. A virada veio com Larissa, a modelo viciada em crack de “Verdades secretas” pela qual ela foi indicada ao Emmy Internacional (em 2016).
—Foi um divisor de águas, é como se ali eu tivesse sido aceita pela classe.
Marieta Severo, com quem dividiu a cena em “Verdades...”, foi uma das primeiras a reconhecer o talento de Grazi. Durante um pNa entrevista coletiva de lançamento da série, Marieta disse aos jornalistas: “Vocês não têm ideia do que essa menina está fazendo”. O carinho entre as duas, que devoravam juntas as comidas do camarim, fez com quem Grazi tivesse dificuldade em cuspir na colega durante uma cena.
— Marieta dizia “cospe, pode cuspir”, mas eu não tinha coragem. Acabou saindo uma cuspidinha tímida — diverte-se.
Surgir irreconhecível num visual devastado pela droga foi interessante para Grazi, que sempre teve sua beleza explorada em papeis de musa (“a publicidade também me vende”), digamos assim. Tanto que se ela anima ao contar de um convite (trabalho ainda não confirmado) para viver uma personagem “toda desconstruída”, com prótese no nariz e enchimento nas ancas. Cinema também é um desejo (“ não precisa se preocupar tanto com visual, é uma vivência mais real)
Porém, o desafio mais próximo de Grazi é falar sobre morte, esse assunto cercado de tabus, tema da nova novela. Tudo começa com um diagnóstico errado recebido por Paloma, que descobre ter seis meses de vida — o exame, na verdade, foi trocado e diz respeito a Alberto (Antonio Fagundes). A partir daí, ela entra em contato com a finitude e passa a refletir sobre como vem levando sua vida. O que Grazi também passou a fazer na vida real.
— Mais do que medo da minha, tenho medo da morte dos outros, de perder quem eu amo — diz. — Porque se a gente vai, foi. Claro que tenho uma filha ( Sofia, de 7 anos, fruto do relacionamento com Cauã Reymond ) e não quero deixá-la, mas tenho mais medo de perdê-la. O que a Angélica passou (o acidente do filho Benício ) foi uma coisa muito forte para a gente que é amigo da família.
Por isso, a atriz tem valorizado cada momento ao lado da pequena (“e sempre digo a ela, antes de sair de casa: ‘Filha, aproveite seu dia’”). São ocasiões em que procura criar memórias afetivas, privilegiando o olho no olho, o carinho, a brincadeira de cantar junto e muita conversa.
— Quando o filho é bebê, está tudo no controle, o trabalho é mais braçal. — O processo de educar é muito mais difícil. Ainda mais agora, com esse elemento tão presente, constante e perigoso, que não tinha na nossa geração: o celular.
Como educar é aproveitar oportunidades, Grazi introduziu o assunto na conversa com a filha quando viu Sofia brincando de fazer um vídeo com uma amiguinha.
— Ela tinha tirado a blusinha, e eu expliquei que celular é uma arma, que é preciso cuidado, que aquele vídeo pode chegar na mão de pessoas que não deviam... Achei até que estava pegando pesado, mas era necessário.
Assim como é fundamental afinar com o pai de Sofia, Cauã, os ideais da educação que querem para ela.
— A gente não se fala todo dia, mas de tempos em tempos alinhamos o discurso. Sempre encontramos o caminho do afeto, que beneficia ela, a nossa prioridade.