O cearense Geraldo Amâncio e o paraibano Severino Feitosa, dois dos maiores nomes da cantoria nordestina na atualidade
Geraldo Amâncio e Severino Feitosa glosando o mote:
Se eu fosse Jesus, o Nazareno,
não matava o poeta cantador.
Geraldo Amâncio
Vem Geraldo que eu tenho muita fé,
me pediu que eu fizesse esses arranjos,
conterrâneo de Augusto dos Anjos,
que é nascido na terra de Sapé,
vem dizer o poeta como é,
é pra ele um eterno sonhador,
um artista de invejável valor,
comunica seu dom nesse terreno.
Se eu fosse Jesus, o Nazareno,
não matava o poeta cantador.
Severino Feitosa
Se eu tivesse o poder do soberano,
não tirava da terra um Oliveira,
um Geraldo, um Valdir e um Bandeira,
Moacir, nem Raimundo Caetano,
Sebastião nem João Paraibano,
e muitos outros que têm tanto valor,
não tirava a garganta de tenor
de quem tem esse seu direito pleno.
Se eu fosse Jesus, o Nazareno,
não matava o poeta cantador.
Geraldo Amâncio
Sei que um carro virou numa ladeira,
já passei para o mundo essa mensagem,
pois eu ia também nessa viagem
que a morte levou nosso Ferreira,
eu me vi na viagem derradeira,
eu gritei por sentir a grande dor,
foi a morte que fez esse terror,
de levar nosso astro, esse moreno.
Se eu fosse Jesus, o Nazareno,
não matava o poeta cantador.
Severino Feitosa
Se Xudu decantou o santo hino,
da maneira que foi Zezé Lulu,
não esqueço Louro do Pajeú,
Rio Grande, recorda Severino,
Pernambuco, também, José Faustino,
que foi um repentista de valor,
Paraíba não esquece Serrador
e Santa Cruz não esquece de Heleno.
Se eu fosse Jesus, o Nazareno,
não matava o poeta cantador.
Geraldo Amâncio
Quem já foi Juvenal Evangelista,
um encanto pra o nosso Ceará,
mas morreu encostado ao Amapá
e se encontra com os irmãos Batista,
desse povo que tem na minha lista,
Pinto velho pra mim foi um terror,
eu não posso esquecer um Beija-Flor,
e Pajeú inda lembra Zé Pequeno.
Se eu fosse Jesus, o Nazareno,
não matava o poeta cantador.
* * *
Roberto Macena e Zé Vicente glosando o mote:
Velhice, um prêmio divino
Que Deus oferece à gente
Roberto Macena
Eu perdi minha beleza,
Mas não vou fugir da ética.
Que eu mudei a minha estética
Por conta da natureza.
Mesmo assim, não há tristeza,
Que eu não fico decadente:
Tô mais é experiente
Que com isso, não amofino.
Velhice, um prêmio divino
Que Deus oferece à gente.
Zé Vicente
Vovô muito me encanta,
É meu verdadeiro mestre.
Morando em área silvestre,
Mas sempre me acalanta.
Se eu sofrer da garganta,
Ainda canto repente.
Meu avô estando presente,
Ele é meu otorrino.
Velhice, um prêmio divino
Que Deus oferece à gente.
Roberto Macena
Não adianta fazer prece
Nem usar agilidade,
Que, quando passa a idade,
Tudo de ruim acontece
O que é de nervo amolece,
Fica tudo diferente:
Dói a perna, dói o dente
E o cabra fica mofino.
Velhice é um prêmio divino
Que Deus oferece à gente.
* * *
Sebastião Dias e Zé Viola glosando o mote:
Existe um dicionário
Na mente do cantador
Sebastião Dias
Existe um Deus que controla
A mente de um repentista
Que nasceu pra ser artista
Do oitão da fazendola
É o homem da viola
Nascido no interior
Nem precisa professor
Pra ser extraordinário
Existe um dicionário
Na mente do cantador
Zé Viola
Acumulo cada ano
Cantando mares e terra
Paz, conflito, briga e guerra
Peixe, céu e oceano
A viola é o piano
O povo é meu instrutor
O palco me traz calor
E o cachê é meu salário
Existe um dicionário
Na mente do cantador
* * *
UM CONTADOR DE MENTIRAS – EDMILSON GARCIA
Foi lá nos anos oitenta
Que conheci um senhor
Nas terras da Paraíba
Araruna, interior…..
Ele era conhecido
Como seu “Zé Nicanor”
Homem de vários ofícios
Foi vaqueiro, agricultor,
Político e viajante,
Palestrante e pescador
Arrancador de botija
E grande “conversador”
Nasceu, cresceu por ali
E ali se fez conhecido
Pra todos contava histórias
E todos lhe davam ouvido
Difícil era acreditar
Ou aguentar seu “muído”
Pois tinha um “defeitinho”
Que pretendo descrever
Tudo ele aumentava
Talvez pra se aparecer
Decorava tudo em mente
Pois não sabia escrever
Dizia ser viajado
Conhecia o Brasil inteiro
De Porto Alegre à Natal
Do Acre ao Rio de Janeiro
Morou em Serra Pelada
Mas não quis ser garimpeiro
Deitava na preguiçosa
Todo dia à tardesinha
Pra conversar com os amigos
E contar uma “mentirinha”
Loroteiro igual à ele
Em Araruna não tinha
Era gente muito boa
Dizendo à bem da verdade
Mas mentia por costume
Era uma barbaridade
Cada uma que contava
Estremecia a cidade
Me falou de uma brigada
Que uma vez ele deu
Na serra de dona Inês
Com um tal de Zebedeu
Bateu tanto no sujeito
Que o cabra quase morreu
Falou que em Guarabira
Num sábado dia de feira
Três cabras lhe ameaçaram
Cada um com uma peixeira
Tomou as facas dos cabras
Só na base da rasteira
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Quando se empolgava mesmo,
Só falava em valentia
Não tinha medo de nada
Fazia e acontecia
Se tivesse quem escutasse
Aí é que ele mentia
Falava de Lampião
Que por sinal era “amigo”
Muitas vezes ao cangaceiro
Chegou a lhe dar abrigo
Contava e ainda dizia
Pode crer no que lhe digo
Viajou o Brasil todo
Representando o nordeste
Rasgava de norte a sul
Depois de leste à oeste
Dizia que era o autor
De “Tieta do Agreste”
Falava de pescaria
De caçada e de forró
Inventando e aumentando
Chega engrossava o gogó
Sequer ficava vermelho
E “sério” como ele só
Só pescava peixe grande
Com anzol feito de pau
Pegava boi sem cavalo
No meio do matagal
Ganhou primeiro lugar
Numa vaquejada em Natal
Na política de Araruna
Nunca perdeu eleição
Foi prefeito sete vezes
E louvado em cada gestão
Depois dele, é que vieram
Os Targino e Maranhão
Disse que na mocidade
Chegou à ser senador
Ganhou com um bilhão de votos
Foi aclamado em louvor
Dizia que era primo
De Dom Pedro “o imperador”
Ainda naquela época
Já usava um computador
Fabricado em Mata Velha
Por um tal de Agenor
O mesmo que fez a máquina
Pra fabricar isopor
Uma vez pegou um peixe
Que tinha fugido de um rio
Achou-o em cima da serra
Todo tremendo de frio
Falou que o peixe era “fêmea”
E que estava no cio
Contou que numa caçada
Atirou num gavião
Mas o chumbo se espalhou
E correu rasteiro no chão
Com o tiro matou um peba,
Um macaco e um carão
Ele, como pescador
Disse ser profissional
Uma vez fez pescaria
No açude do coqueiral
Pois lá, tem muita traíra
Tilápia e também pial
Jogou a tarrafa n’água
Escutou um barulhão
Quando ele puxou pra fora
Arrastou um tubarão
Pra levar o peixe pra casa
Precisou d’um caminhão
Mandou tirar um retrato
Bem de perto, “tela cheia”
Pra mostrar pra todo mundo
Que a história não era feia
Disse que somente a foto
Pesou uma arroba e meia
Teve a coragem de dizer
Uma vez sentado na praça
Que trocou cinco galinhas
Por um cachorro de caça
Depois deu o “vira lata”
Por dez garrotes de raça.
Me confessou que uma vez
Deu de cara com um leão
Ao lado da sua casa
Bem na beira do oitão
Quando o bicho lhe avistou
Já partiu pra agressão
Quando o felino avançou
Ele gritou: é agora!!!!!!
O bicho já quis fugir
Mas não deu pra ir embora
Deu-lhe um “tabefe” tão grande
Matou a fera na hora
Quando ia caçar onça
Nunca errava a “butada”
Quando pegava no tiro
Já trazia esquartejada
E quando pegava à laço
Trazia viva, amarrada
Amansava burro brabo
Montava e nunca caía
Pegava touro na mata
Ou qualquer rês que fugia
Capava jumento “à unha”
Tudo isso ele fazia
Acabou com os lobisomens
Que tinha na região
Só d’uma vez foram sete
Tudo sangrado à facão
Tirava o couro e vendia
Na feira de Riachão
E da vez que ele disse
Que saiu pra uma “farrada”
Namorou quatorze vezes
Isso, n’uma madrugada
Ali, eu me segurei
Pra não ter que dar rizada
Era amigo de Pelé
Desde a década de cinquenta
Jogaram juntos no México
Ganharam o tri em setenta,
Foi presidente da FIFA
La nos idos de quarenta
Uma vez fez um relato
Que fez esquentar o clima
Dizendo ter sido amigo
De um tal de Zé Fukushima
O fabricante da bomba
Que arrasou Hyroshima
Quando bebia uma caninha
Ficava meio arrojado
Falava que era rico
Tinha muita terra e gado
Comprava até capim seco
Só na base do fiado
Disse ter uma bicicleta
Que era movida à gás
Com farol, luz alta e baixa
E que corria demais
Uma noite, deu cem por hora
Que o clarão ficou pra traz
Andava muito de noite
Sem medo de assombração
Só procurando botija
Pra ajudar no ganha-pão
Uma vez arrancou uma
Que rendeu mais de um milhão
Uma vez numa conversa
Nessa eu estava presente
Na casa de Zé do Leite
Na frente de muita gente
Teve a coragem de dizer
Que o Papa era seu parente
Disse que a pedra da boca
Foi ele que descobriu
E a boca que tem na pedra
Ele mesmo esculpiu
Filmou e botou na “net”
E mostrou parao Brasil
Ainda dizia que nele,
Três coisas que dava ira
Era um bisaco furado,
Uma espingarda sem mira,
E um cabra velho barbado
Viver contando mentira
Mesmo sabendo que ali
Ninguém lhe acreditava
Todo dia e toda hora
Mentia porque gostava
Já eu, garanto e sustento
Que isso é só um por cento
Das coisas que ele contava.