BRASÍLIA E RIO - Preocupado com os desdobramentos da tragédia provocada pelo rompimento da barragem da Mina do Feijão, em Brumadinho (MG), o governo já prepara um plano B para lidar com a crise da Vale. Informalmente, começou a conversar com alguns dos principais acionistas a respeito de uma eventual troca no comando da companhia e já consultou a Advocacia-Geral da União (AGU) sobre como esse caminho poderia ser trilhado. Também houve contato com a Polícia Federal sobre o andamento das investigações para identificar os culpados.
Qualquer ação efetiva só será tomada se houver indícios concretos de responsabilidade da empresa. A preocupação do Palácio do Planalto é não passar uma imagem de intervencionismo, o que vai na contramão do discurso do governo.
Nesta terça-feira, um dia depois de o presidente em exercício, Hamilton Mourão, levantar a hipótese de afastamento da diretoria da Vale, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, veio a público minimizar o episódio, embora reitere que é possível agir em caso de responsabilidade da empresa. Segundo Onyx, primeiro é preciso apurar as causas da tragédia para depois tomar providências:
- O governo tem que ter duas coisas necessárias: humildade para saber que não pode tudo e prudência para saber que o que está em jogo é, além e principalmente da vida e das segurança dos brasileiros e brasileiras, um setor econômico que é muito relevante para o nosso país.
Onyx admitiu que uma ingerência do governo na empresa seria uma sinalização ruim para o mercado:
- Não há condição de haver qualquer grau de intervenção, até porque esta não seria uma sinalização desejável ao mercado, em um país que deseja receber parceiros que possam usar essa fantástica biodiversidade que nós temos. Então, é preciso respeitar, e o governo sabe que tem limitações.
O ministro defendeu que o governo aguarde o andamento das investigações. Segundo ele, não cabe ao Estado apoiar empresa ou diretoria, mas admitiu que, em caso de falhas da mineradora, poderá convocar reunião do conselho da Vale:
- Se a investigação mostrar que há problema, que houve falha, é evidente que o governo vai exercer seu direito - disse Onyx.
Nas conversas com a AGU, o governo quis saber quais são as possibilidades legais para afastar a diretoria ou integrantes dela, considerando que a companhia foi privatizada em 1997. A União ainda detém uma classe especial de ação, a chamada golden share, que dá ao Estado poder de veto em algumas decisões, mas não na troca do comando da companhia. A saída seria trabalhar dentro do conselho para conseguir o apoio da maioria dos conselheiros da empresa. Segundo fontes que acompanham o caso, há um desconforto no conselho da companhia. A avaliação é que o que aconteceu é muito grave e exige uma ação dessa natureza.
Ações sobem 0,85%
O eventual afastamento da diretoria foi discutido em reunião ministerial nesta terça. O ministro da Justiça, Sérgio Moro, teria sido indagado se já seria possível falar em responsabilidade, mas teria afirmado que o assunto ainda está sob investigação.
Caso o governo decida, de fato, articular uma mudança no controle, o caminho mais provável seria um alinhamento com fundos de pensão ou com o BNDES.
Investidores estrangeiros são donos de 47,7% do capital da Vale. Os fundos de pensão Previ, Petros, Funcef e Funcesp são donos de 21% das ações por meio da Litel. Em seguida, aparecem BNDESPar (braço de investimentos do BNDES), com 6,7%, Bradespar, com 5,8%, e a japonesa Mitsui (5,6%). Desde a tragédia, alguns dos principais investidores mantêm rodadas de conversas, mas ainda não há uma decisão sobre o caminho a seguir.
Entre os fundos de pensão, a Previ é a que tem maior participação. Sua fatia corresponde a 80,62% da Litel, seguida de Funcef (11,50%), Petros (6,94%) e Funcesp (0,94%). O investimento da Previ na Vale corresponde a aproximadamente 25,45% do patrimônio total do Plano 1, o mais antigo.
Segundo fontes, o acidente pode interferir nos planos dos maiores fundos de pensão, que previam se desfazer de parte de seus papéis a partir de 2020. Em 2017, a Vale decidiu migrar para o Novo Mercado da Bolsa. Para isso, fez um acordo de acionistas, que previa um caminho para que a mineradora passasse a ter apenas ações ordinárias (ON, com direito a voto), sem um controlador definido. Os fundos de pensão acordaram que poderiam vender parte de seus papéis em duas etapas: a partir de 2018 e de 2020.
- Assim, os fundos estavam se programando para vender as ações em partes e de forma conjunta. Dessa forma, seria possível reduzir os investimentos em renda variável, um fator importante para equilibrar os planos de previdência - disse uma fonte do setor.