13 de agosto de 2020 | 05h00
O Brasil já é um velho conhecido da cantora e compositora cubana Gloria Estefan. Sobretudo quando o assunto é música. E agora ela dá mais um passo nessa estreita aproximação em seu novo álbum, Brazil305 (Sony Music), que chega às plataformas digitais nesta quinta-feira, 13, com releituras de O Homem Falou, de Gonzaguinha, em inglês e espanhol, e de Magalenha, de Carlinhos Brown, além de sucessos como Conga, batizado de Samba no novo repertório, e Rhythm Is Gonna Get You (ambos de seus tempos como líder do Miami Sound Machine), gravados com instrumentação de samba.
Antes de avançar no novo trabalho, o primeiro em sete anos, Gloria busca suas referências nas memórias afetivas. “Minha primeira influência de música brasileira foram os discos da minha mãe: Elis Regina, Chico Buarque, Sergio Mendes. Sergio é uma grande influência para mim, e também influenciou como nomeei esse disco, porque toquei (o álbum) Brasil’ 66 tantas vezes, comprei três cópias diferentes”, conta a artista, de sua casa em Miami, nos EUA, em entrevista ao Estadão, por videochamada.
Ela lembra também de antigo álbum, com o Miami Sound Machine, em que já havia feito versões de canções brasileiras. “Em 1983, fizemos um disco chamado Rio, em que escrevi em espanhol músicas de Rita Lee – Baila Conmigo (versão de ‘Lança Perfume’), que foi um grande sucesso para nós na América Latina –, Baby Consuelo, Wilson Simonal.”
Brazil305 já estava pronto, mas aguardando a oportunidade certa para ser lançado. “Originalmente, íamos lançar em 2017, mas minha mãe ficou doente e morreu, e eu não pude cantar. Tive de esperar mais de um ano para me sentir ok em colocar a alegria que eu queria nesse disco”, conta ela. Os protestos pelos EUA desencadeados pela morte de George Floyd, após ser sufocado por um policial branco, também fizeram adiar a data de lançamento do disco. “Então, eu disse, ok, precisamos de alguma alegria, alguma felicidade, algum sorriso, vamos lá, vamos lançar”, afirma. “Como todo mundo, estou tentando estar positiva, mantendo a alegria viva de alguma forma.”
No novo disco, Gloria faz uma conexão entre Brasil e Cuba – e a raiz africana compartilhada pelos dois países –, mas é o samba que se impõe como sonoridade protagonista. O ritmo permeia grande parte das 18 faixas – 4 originais e 14 hits da carreira –, com participação importante de músicos brasileiros na ‘cozinha’ e arranjos de percussão de Laércio da Costa. Para ela, assim como a bossa-nova, o samba representa o Brasil. “O samba me lembra Conga, que foi meu grande sucesso, e em Cuba temos também carnaval”, comenta. “Compartilhamos várias coisas”, completa ela, chamando atenção em especial para um instrumento que não é usado na música cubana: a cuíca. “Amo cuíca, a propósito. Para mim, soa como se o instrumento chorasse.”
O Homem Falou, composta por Gonzaguinha, ganhou versão famosa na voz de Maria Rita, no álbum Samba Meu, de 2007. Gloria já tinha ouvido a versão original e essa releitura de Maria Rita. E pela letra da canção a arrebatar, Gloria quis convertê-la para o inglês e o espanhol. “Amo muito, por causa da mensagem de unidade mundial”, pondera. “Foi importante quando foi escrito, mas é importante mesmo agora. Acho que a música encontra o momento certo. Essa canção, em particular, me inspira. Eu quis fazer nas duas línguas, porque quis ter certeza de que meus fãs, que falam inglês e espanhol, ouçam essa música.”
Em espanhol, O Homem Falou virou Un Nuevo Mundo; em inglês, Only Together. A letra original, em português, traz o seguinte trecho: “Pode chegar/ Que a casa é grande/ E é toda nossa/ Vamos limpar o salão/ Para um desfile melhor/ Vamos cuidar da harmonia/ Da nossa evolução/ Da unidade vai nascer/ A nova idade/Da unidade vai nascer/ A novidade”.
Ao longo do disco, Gloria canta em inglês, espanhol e também português, em Magalenha, de Carlinhos Brown, que faz participação na canção. Ela conta que conheceu o músico baiano, pela primeira vez, quando veio ao Brasil – onde ela filmou um documentário sobre o samba, previsto para ser lançado em outubro. Ela o entrevistou, assim como falou com outros artistas, como a própria Maria Rita e Zeca Pagodinho. De volta a Miami, Gloria voltou a falar com Carlinhos, combinaram de incluir Magalenha no disco, e ele viajou até lá para gravá-la. Ela se diverte ao falar do ritmo rápido que tem a música – a qual ela tinha o desafio de cantar em português. “Eu conhecia muito bem a música, mas nunca tentei cantar. Falei para ele: ‘Pode ir um pouco mais devagar?’.”
Ganhadora sete vezes do Grammy, a artista de 62 anos nascida em Cuba, mas que se mudou para os EUA com os pais ainda criança, passa a quarentena em Miami. Além de decidir lançar o novo disco neste período, Gloria conta que aproveitou para colocar as coisas em ordem em sua casa. “No começo, quis ser muito útil. Então, arrumei cada armário, que nunca tive tempo de arrumar”, detalha. “Encontrei do meu filho, que vai fazer 40, sapatinhos de bebê, roupas de bebê, todos os trabalhos da escola. Organizei em pacotes e joguei fora um monte de coisa. Percebi ainda que eu precisava estar conectada com os fãs, todo mundo precisava de algo inspirador, alguma conexão.”
Também no início da pandemia, a cantora recebeu o apelo de uma amiga de muitos anos, da época do colégio, que é infectologista. “Ela falou com o governo dos EUA, e me disse: ninguém presta atenção em mim quando digo que devemos usar máscara.” Ela pediu ajuda para Gloria para divulgar a importância desse ato. A artista, então, escreveu Put On Your Mask, paródia de seu sucesso Get On Your Feet, gravou um vídeo em casa e o divulgou.
E como ela acha que Trump poderia ter agido no começo da pandemia? Para Gloria, deveria ter sido feita uma ordem nacional para que todos usassem máscara em público. “Assim reduziria o contágio, não estaríamos onde estamos agora. É ciência. Se você cobre sua boca e eu cubro minha boca, vamos reduzir a oportunidade de compartilhar saliva, respiração, coisas que carregam essa doença. E obviamente lavar as mãos, não tocar seu rosto, tudo isso, mas o mais importante que deveria ter no começo era fazer uma lei nacional, que todo mundo deveria seguir. Não é política, é cuidar do outro ser humano. Realmente não entendo. As coisas sendo feitas aqui, ali, em pequenos pedaços. Faço o que posso para evitar a contaminação”, responde ela, que diz ainda ser “uma loucura” a reabertura de escolas.
“Eu queria que tivéssemos ouvido os cientistas desde o começo. Essa seria a melhor solução protetiva para todos. Agora é tarde, eu acredito. Não importa o quão rapidamente a vacina saia, mas quem realmente vai correr o risco? Vamos esperar para ver. É uma situação muito complicada.”