Dez entre dez brasileiros preferem feijão, já cantou Gonzaguinha sobre este grão que é a cara do brasileiro. O país é o maior produtor e consumidor de feijão-comum, o Phaseolus vulgaris L, que de “vulgar” não tem nada, já que traz proteínas, calorias, ferro, cálcio, magnésio, zinco, vitaminas, carboidratos e, ufa, fibras também. Preto, branco, verde, roxo, vermelho, rajado, rosa, mulato, fradinho, fradão, azuki, bolinha, manteiga, amendoim, azuki, guandu, jalo... Fica ao gosto do freguês.
Com cores e predicados mil, o grão foi parar nas manchetes na semana passada. E não só pelo preço nas alturas (aumentou 22% ao longo do ano), mas por uma declaração do presidente Bolsonaro, que chamou de idiota quem diz que é melhor comprar feijão do que fuzil. Bastou para o grão cair nas redes sociais.
Mas para um grupo de agricultores da Paraíba, o assunto era outro: eles saudavam o reconhecimento pela Embrapa do grão macassar, um tipo de fradinho brasileiríssimo. E, em Itaboraí, pesquisadores festejavam o resgate do mangalô, que esteve ameaçado de extinção e que volta a ser produzido.
— Estamos trabalhando com os feijões rústicos, que estavam esquecidos e por pouco não desapareceram. É o caso do mangalô — conta Mariella Uzeda, pesquisadora agrobiológica da Embrapa.
São mais de quatro mil variedades de feijões crescendo Brasil afora. E eles estão por aqui há séculos. Em “História da Civilização Brasileira”, Câmara Cascudo conta que os índios Tupi já consumiam o “comandã”, uma variedade do grão, bem antes da chegada dos portugueses.
— Dá para imaginar a minha cozinha sem feijão? — indaga Kátia Barbosa, autora do famoso bolinho de feijoada. — Eu fui criada com angu com feijão, capitão de feijão, tutu de feijão, macarrão com feijão... Temos grãos para toda hora e toda obra: acarajé, os bolinho de feijoada, salada, purê, sopa, baião de dois, cassoulet e por aí vai... Sem feijão, eu não seria a Kátia Barbosa cozinheira.
Para quem diz que ele é pesado e indigesto, Roberta Sudbrack levanta a colher contra essa fama de mau:
Embalada pelas Frenéticas —que consagraram a já citada música de Gonzaguinha —, Carla Pernambuco, do paulista Carlota, diz que feijão tem gosto de festa. E de fartura e comunhão.
— Feijão exemplifica comida para muitos, prato no centro da mesa, que traz tantos significados e propriedades nutritivas — resume.
Integrante do Ecochefs, grupo que milita por uma alimentação justa e saudável, Ciça Roxo ressalta que é importante manter uma certa “intimidade” com o grão.
— O fradinho não dá caldo, mas dá no acarajé e nas saladas. Já o branco, quando cozido, fica cremoso, tem que ficar de olho no ponto para fazer feijoada. Mas, se passar, rende uma versão de homus — diz Ciça, referindo-se à receita feita com grão-de-bico.
Versatilidade é um dos pontos altos do grão. Nelson Soares, do Sult, usa o feijão-manteiguinha de Santarém para um clássico italiano, pasta fagioli: massa, feijão, linguiça e brócolis.
É de Janaína Rueda, chef dos festejados Casa do Porco e Bar da Onça, em São Paulo, a definição mais substanciosa. Para ela, o feijão é agregador, capaz de unir, na mesma mesa, carnívoros e veganos.
— Há ingrediente mais democrático, versátil, agregador e resistente? Ele nasce até no copo com algodão — exalta Janaína
Para variar o cardápio
- Azuki. É nativo da China, mas consumido por japoneses também. Muito usado na confecção de doces nesses países, mas também fica bom em saladas.
- Branco. Por ter muito amido, fica muito macio . É o grão do cassoulet e das feijoadas com frutos do mar.
- Carioca. O mais versátil e popular. Quando cozido, fica espesso, ideal para feijoadas, tutu, feijão tropeiro.
- Fradinho. Não dá caldo, mas é a base do acarajé, de saladas e ótimo para hambúrguer vegetariano.
- Guandu. Mais comum no Nordeste, dá um caldo ralinho, mas cheio de sabor.
- Jalo. O caldo fica bem grosso. Daí, volta e meia é usado para engrossar feijoadas. Bom para tutu, tropeiro, baião de dois... Os árabes não passam sem ele.
- Manteiga. Fica cremoso quando cozido. Bom para uma feijoada mais leve.
- Preto. Usado para a clássica feijoada, rende um caldo grosso. Mais consumido no Rio.
- Rosinha. Muito usado na região Centro-Oeste . É a base de um prato emblemático do Pantanal, o feijão gordo (feito na banha). Bom para chilli mexicano.
- Vermelho. É o que rende caldos mais encorpados. Sob medida para sopas e também feijoadas.