Quando criança, Lionel Ortega esperava ansioso pelas férias, para ir à fazenda dos avós, no sul da França, região onde nasceu e cresceu. Nas lembranças, coelhos, pombos, trufas, escargots, framboesas e tantos outros animais e vegetais que eram criados, cultivados e transformados em deliciosas refeições pelas habilidosas mãos da avó e sob o olhar atento do neto.
O casal ainda mantinha uma padaria a poucos quilômetros da fazenda, para onde Lionel adorava ir. "Minha avó preparava um delicioso bolo de azeite, muito tradicional na França, mas que, hoje, dificilmente encontramos", relembra. E a paixão pela gastronomia só crescia no garoto, que tinha uma certeza: quando crescesse, seria chef de cozinha.
E o sonho se realizou. Aos 19 anos, Lionel começou a cozinhar profissionalmente e nunca mais parou. "Tenho quatro diplomas de gastronomia na França e uma pós-graduação no Brasil", orgulha-se. Mas os primeiros anos, admite, não foram fáceis. "Na faculdade, eu tinha duas alternativas: fazer o curso e, no final, um estágio de três meses, ou revezar uma semana na escola e outra em um restaurante." Lionel escolheu a segunda opção. "A minha semana no estágio começava na sexta à noite. Era pesado, mas quando a gente ama o que faz, o tempo voa. Ficava 12 horas no restaurante e parecia que tinham se passado cinco minutos", diverte-se.
E não era qualquer restaurante. O Clos de la violette, localizado em sua cidade natal, Aix-en-Provence, tinha nada mais nada menos que uma estrela Michelin no currículo. "Três anos depois, quando saí de lá, ele tinha duas estrelas Michelin", recorda-se. Para o francês, essa foi, de fato, sua maior escola.
Depois da experiência no Clos de la violette, Lionel teve a oportunidade de trabalhar em outro restaurante estelado, o Le Moulin de Lourmarin, também no sul da França. Curioso, decidiu conhecer melhor o universo dos chocolates. Seguiu para Lyon, onde fez um estágio na renomada fábrica da família Bernachon.
Sempre aberto a novas experiências, o chef decidiu expandir os horizontes além da França. Aprendeu inglês e trabalhou em restaurantes na Irlanda, na Suíça e em outros países europeus, até receber o convite de ser sous chef na Embaixada da França em Londres. "Foi uma experiência maravilhosa. Poucos sabem, mas o nível gastronômico nas embaixadas é muito alto."
Personal chef
E foi em Londres que Lionel iniciou uma guinada na vida profissional. Enquanto atuava na embaixada, fez um serviço extra — um jantar exclusivo para uma família. "Eu adorei trabalhar como personal chef. E achei que poderia investir nisso." Ele participou, então, de uma seleção para ser chef de uma família americana que estava alugando, por um mês e meio, uma casa no sul da França. E foi escolhido. "De sous chef, passei a ser chef. Era o responsável por preparar o cardápio, fazer as compras, enfim, todas as etapas da cozinha. Foi um desafio maravilhoso."
E Lionel entrou de cabeça neste mercado. Na Europa, explica, há esse costume de famílias muito ricas contratarem um chef por temporada. "No inverno, geralmente, eles vão para as montanhas; no verão, para grandes iates privados. É um mercado muito bem remunerado e muito fechado. É preciso ter referências, e eu tinha conseguido entrar nele."
De 2006 a 2011, o chef trabalhou para diversas famílias — árabes, inglesas, chinesas, italianas, suíças... Até que, em uma dessas temporadas, conheceu, na sua cidade, Aix-en-Provence, uma brasileira por quem se apaixonou. Advogada, ela estava fazendo um mestrado na região. E Lionel decidiu largar tudo para vir morar no Brasil com a amada. O destino foi Brasília.
Em terras candangas, o chef continuou a fazer o que mais gosta: cozinhar. Passou a trabalhar como personal chef, preparando menus tipicamente franceses para os clientes. "O bom da minha profissão é que posso trabalhar em qualquer lugar." Ele foi convidado por várias embaixadas para realizar eventos exclusivos. "Trabalho com o serviço francês, com empratamentos bem elaborados. Já fiz jantar para um casal e menu degustação para 250 pessoas", conta.
Lionel explica que as redes sociais o ajudaram bastante a entrar no mercado brasiliense. Por meio de sua página no Instagram e no YouTube, está sempre em contato com os potenciais clientes. "Uma vez por semana, às quintas-feiras, eu faço uma live em que ensino o preparo de um petisco. E sempre há um convidado para, da cozinha da casa dele, fazer o prato comigo, on-line." A inscrição para ser esse convidado pode ser feita no site do chef.
Lionel, porém, não abandonou as luxuosas temporadas como personal chef na Europa. Durante a pandemia, por exemplo, viajou com a família para Paris, instalou a mulher e os dois filhos, de 7 e 11 anos, no centro da cidade, e foi trabalhar no castelo do famoso estilista Valentino, próximo à capital francesa. "Mas acabei desistindo desse serviço porque Valentino, por conta da idade avançada, e seus empregados estavam em total isolamento, e eu não poderia sair para ver minha família." O chef foi trabalhar, então, em outra residência. Durante os períodos de verão no Velho Continente, costuma fazer as malas e prestar serviço para algum magnata.
Sempre ativo, o chef publicou, ainda, quatro livros — um só de receitas de quiche; um de creme bruleé; um guia para quem quer seguir a carreira de personal chef; e uma edição ilustrada para crianças da faixa etária dos filhos. Uma forma de passar as experiências e o amor pela gastronomia adiante. E, claro, desmistifica a ideia de que comida francesa não é para todos!
Quiche de aspargos verdes e parmesão