Ninguém sabe de onde veio. A mãe o abandonou no bairro do Jacintinho, ele não havia completado dez anos. Era um menino experto, bonito, olhos azuis, vivos. Ficou a vagar pela cidade, sua pele alva e cabelos louros compridos chamavam a atenção, devia ter vivido em lugar bem pobre para bandas do sertão, o sotaque revelava. Só lembrava que seu pai fugiu da seca e sua mãe largou-o na cidade. Não reclamava. Ser menino de rua parecia melhor que o sofrimento da seca, da falta d’água, de comida, da morte do gado e de gente. Na cidade tinham, pelo menos, as lixeiras com sobras de comida.
O menino enjeitado andou durante alguns dias pelas ruas de Maceió, dormindo embaixo de marquises, encontrou um bando de meninos abandonados. Foi uma alegria conhecer novos amigos, logo se tornou um líder entre os menores que perambulavam pelo centro da cidade, Praça Deodoro e arredores. Viviam de pouca esmola, do que achavam no lixo, e de alguns roubos fortuitos. Todos gostavam do Galeguinho, assim chamavam os amigos de rua, sem escola, sem casa, sem documentos.
Galeguinho assim que viu a praia e o mar pela primeira vez, ficou encantado, fascinado. Sentou-se na praia da Jatiúca e contemplou o mar azul esverdeado por muito tempo, até que se encorajou e entrou no mar, estranhou a água salgada, feliz, brincou com as ondas, as marolas. Quando dava fome, pedia comida aos banhistas sentados nas cadeiras tomando banho de sol com uma sombrinha ao lado. Sempre conseguia matar a fome, a Irmã do Acarajé do Meliá, lhe dava um reforçado acarajé. O Galeguinho tomou o bairro da Jatiúca como lar, dormia embaixo das barracas de praia. Amava o mar, encantou-se com os surfistas deslizando na onda. Certa vez, João, percebeu aquele garoto quase todos os dias olhando, admirando os surfistas, perguntou se já havia pegado surf numa onda, diante da negativa, João ofereceu sua prancha, ensinou o básico. O Galeguinho entrou no mar, na primeira onda equilibrou-se e veio à beira mar. A partir desse dia tornou-se amigo de João e um dos melhores surfistas do Posto Sete.
Foi crescendo como se fosse morador do bairro, fazia bico nos estacionamentos lavando carro, simpático flanelinha que nunca teve local certo de dormir.
Dagmar, dedicada assistente social estava realizando para Prefeitura, um levantamento de meninos de rua que dormiam na orla, quando conheceu o Galeguinho, teve simpatia pelo menino alegre, louro, cabelo escorrido até os ombros, vestes maltrapilhas. Dagmar fez uma entrevista, ficou abismada, ele sequer lembrava seu nome, depois de cinco anos esqueceu, só o chamavam de Galeguinho, não sabia a idade, era analfabeto.
Dagmar lhe fez uma proposta: limpar o quintal de sua casa, fazer outros serviços em troca de comida. Ele aceitou. Era uma casa num conjunto perto da Jatiúca. Ele trabalhou, limpou e arrumou o quintal durante todo o dia, almoçou e além do jantar, ganhou um bolo. Dagmar, solteirona, sentiu forte empatia, um afeto maternal pela criança. O Galeguinho recebeu o enorme bolo com alegria, dirigiu-se ao velho ponto de encontro e dividiu o bolo com os amigos, fizeram uma festa. A partir daquele dia, o menino cheira-cola, aparecia de vez em quando de manhã cedo na casa de Dagmar para algum serviço.
Dagmar havia completado 40 anos no dia que conheceu o Galeguinho, dizia para si mesma que foi um presente de Deus. Mulher sofrida teve o coração despedaçado, noiva durante 12 anos de um médico, na véspera do casamento, ele fugiu com uma aluna da Faculdade. Um trauma para Dagmar, ainda hoje mulher bonita, vistosa, nunca quis outro namorado. Desde sua decepção amorosa mora sozinha na casa que herdou dos pais.
Esse menino veio preencher sua carência afetiva, com pouco tempo ele ficou morando no quarto de empregados, almoçava com a única empregada, tornou-se secretário para compras e outros afazeres. Dagmar ficou apegada ao adolescente, durante a noite ensinava o alfabeto, a contar, até que o matriculou no Colégio Diocesano onde os Irmãos Maristas têm curso para os necessitados que não podem pagar colégio.
Galeguinho é alegre por natureza. Dagmar descobriu que seu sonho era ter uma prancha de surf. Assim que ganhou uma, o jovem saiu feliz da vida para surfar na praia do Posto Sete. De bom coração nunca abandonou os amigos de rua, quando vai ao surf, seus amigos pegam carona na prancha. Ainda leva comida para distribuir. O Galeguinho é alma boa.
Tornou-se um forte e belo rapaz, típico surfista. Estudioso, quer um dia fazer vestibular de Direito, ser advogado, o que torna mais feliz sua mentora, Dagmar.
Galeguinho deixou a dependência de empregada, agora dorme em seu próprio quarto. Mostra sempre sua gratidão, tem verdadeiro afeto e carinho por sua protetora que mudou sua vida, que lhe deu o que um jovem da classe média pode ter. Para Dagmar é como se fosse um filho, aliás, mais que um filho. Nas refeições divide com ele a mesa. Segundo línguas ferinas, invencionice dos que não tem o que fazer, durante a noite, divide também a gostosa cama forrada de colcha de linho e travesseiros de marcela. Dagmar anda na maior felicidade, tem apenas um problema: administrar o ciúme das paqueras que dão em cima do belo surfista Galeguinho.