12 de setembro de 2020 | 05h00
Gal Costa conta, em entrevista por telefone ao Estadão, de sua casa, em São Paulo, que fãs que mantêm perfis no Instagram em homenagem a ela começaram a postar pedindo live no dia de seu aniversário. Certamente, inspirados em Gil e Caetano, concorda a cantora. “Aí a gente resolveu fazer essa live. Quando sugeriram, topei de cara”, diz.
Com 55 anos de carreira, a cantora gosta da ideia desse novo formato. “Muita gente tem feito (live). Eu vi a do Gil, do Caetano, da Fafá de Belém, vi algumas, e acho que é bem legal fazer. Então, para mim, não é difícil. Não tenho que estar no palco para cantar”, afirma ela. “Sei que também é uma oportunidade que você tem de levar às pessoas um pouco de música. Na verdade, é um grande alento para elas. Música é um bálsamo para a alma: não só para quem faz, como eu, como também é para as pessoas que ouvem, que gostam. Para mim, é mais do que importante fazer essa live. E é uma nova maneira de se comunicar com o público num momento difícil como este.”
Longe dos palcos desde o início da pandemia – que a obrigou também a adiar a turnê de A Pele do Futuro pela Europa –, a cantora fará nessa data sua primeira live, um show para comemorar seus 75 anos, com transmissão da TNT, na TV e no YouTube.
Acompanhada pelos músicos Pedro Sá (violão e guitarra) e Chicão (teclado), Gal revisitará sua obra, trazendo antigos sucessos como Baby e Vaca Profana, além de músicas de discos mais recentes. O repertório, no entanto, será definido de fato, por Gal e Marcus Preto, diretor artístico dos projetos da cantora, durante os ensaios realizados às vésperas da live. “Vou cantar os grandes sucessos da minha carreira, canções que estão no imaginário das pessoas, que elas conhecem, para cantarem junto”, diz Gal ao Estadão.
“Você vai fazer uma live e levar música para as pessoas, então tem que levar o que elas querem ouvir, o que elas gostam. Por que pensar em inovar num momento deste? O fato de fazer uma live já é um dado novo. Que artista imaginou um dia fazer uma live? A gente trabalha com aglomeração, com público, com calor, com emoção. Vamos ter que aprender a levar tudo isso para as pessoas através de uma live.”
Ainda sobre o repertório do show ao vivo, fugindo um pouco dos hits, Gal cantará Creio, composição de Lulu Santos que ela gravou no disco Lua de Mel Como o Diabo Gosta, de 1987 – e que ela não canta há muito tempo. Será uma apresentação intimista para plateias virtuais, como exigem os protocolos de segurança em tempos de coronavírus. Gal diz estar tranquila. “Temos infectologista, vamos fazer (o show) cercados de todo o cuidado. Antes de nos encontrarmos, todos nós faremos o teste para ficarmos tranquilos.
Vamos usar máscara, manter a distância necessária um do outro”, explica ela. “Não só tem que ter cuidado, como tem que dar exemplo quando você tem uma posição, seja um artista, seja o presidente da República, seja uma pessoa que tenha influência. Tem que mostrar, tem que ensinar, tem que dizer: ‘olha, desse jeito é o correto, daquele é errado’. Acho que é uma postura correta você se precaver, tomar cuidado e mostrar que o correto é isso.”
Antes da quarentena, os planos de Gal também envolviam uma turnê em comemoração aos 55 anos de carreira. O cenário, entretanto, mudou com a pandemia. E a live agora inaugura essa celebração. “Acabamos tornando esse projeto dela com os meninos, que tem clima de retrospectiva, uma espécie de primeiro passo para essas comemorações. A gente quer vai fazer o tour dos 75 com esse repertório, sim”, comenta Marcus Preto. Assim que seja possível, claro. O próximo passo, segundo ele, é um álbum de regravações com convidados de gerações mais novas da música, inspirado nos discos Os Meus Amigos São Um Barato, de Nara Leão, e Erasmo Carlos Convida.
Sobre esse álbum de regravações, Gal conta que já vinha pensando nesse projeto, mas que ele ganhou força na pandemia. Por uma combinação de fatores. No final de julho, foi lançada a regravação de Baby, com o dueto de Gal e Rubel (cantor e compositor de 29 anos), nas plataformas de streaming, além do clipe da canção. O registro foi feito no dia 1.º de fevereiro deste ano, na Fundição Progresso, no Rio, onde os dois fizeram seus respectivos shows. Baby foi gravada e filmada no show de Gal, que teve participação especial de Rubel.
Somada a essa repercussão do encontro dos dois está a percepção da cantora de que gerações mais novas têm se interessado mais pela obra de artistas de sua geração durante a pandemia. “O que tem acontecido é que as pessoas estão se voltando mais para as músicas que estão relacionadas com o inconsciente coletivo delas, com a lembrança afetiva. Então, acho que a música da minha geração hoje está ‘batendo’ muito mais nas pessoas de uma maneira geral do que os artistas mais novos”, acredita.
Segundo Marcus, a ideia é primeiro fazer um disco com convidados homens, com a participação de nomes como Silva, Seu Jorge, Criolo e António Zambujo. “Esse é um projeto quarentena”, diz ele. “No meio do ano que vem, a gente já começa a gravar o disco de carreira dela.” E, numa etapa posterior, eles devem se dedicar a um outro disco de regravações, com artistas mulheres.
Isolamento. Confinada há meses com o filho de 15 anos, em sua casa em São Paulo, Gal diz que segue à risca as recomendações de isolamento. “Estou desde o começo aqui, evitando contato com as pessoas. Quando saí, e foram pouquíssimas vezes, saí com máscara, com distanciamento, ou seja, estou em casa, esperando as coisas melhorarem para voltar à rotina.”
E como ela reage quando vê imagens de praias cheias em plena pandemia? “Fico chocada de ver as pessoas sem a menor responsabilidade, nas praias como se nada tivesse acontecido, sem se preocupar com o próximo. A gente vive um momento como este, acho que isso impõe as pessoas a terem uma certa visão da vida diferente do que tinham, menos egoísta, com mais solidariedade. Enfim, fico chocada, porque a gente tem que respeitar a ciência acima de qualquer coisa”, pondera.
Mas acha que as pessoas vão sair mudadas? “Alguma coisa vai mudar. A gente vive um momento que não é nem mais sobre a questão do bem e do mal, mas de lutar contra a ignorância, e a favor da ciência e da sabedoria.”
Ela conta que, como é caseira, ficar em casa não é tão difícil. “Não sou uma pessoa que sai muito. Mas essa pandemia exige da gente um esforço muito grande, de ficar isolada, sem ter contato com o mundo lá fora.” Para passar o tempo, Gal diz que fica inventando coisas para fazer dentro de casa. Tem assistido à TV, a filmes, lê notícias na internet. Ela ainda não conseguiu assistir ao documentário Narciso em Férias, sobre o período que o amigo Caetano ficou preso durante a ditadura. Que lembrança ela tem desse episódio? “Nossa, foi apavorante. Eu estava aqui em São Paulo, quando ele e Gil foram presos. Lembro que eu vivia muito angustiada, foi um momento tenebroso.