Conheço crianças que só comem mel em vez de açúcar, alimentos integrais, não comem guloseimas como chocolates, e que são policiadas por mães neuróticas para que não engordem. Crescem pálidas, e raquíticas, sem resistência física, pois as mães as privam das melhores comidas, como se elas fossem doentes.
Junte-se a isso, o fato dessas crianças não terem direito a colocar os pés no chão dentro de casa, e não terem acesso a nenhum quintal, onde possam estar em contato com areia, sol, chuva ou sereno. Não adquirem “anticorpus” e por tudo adoecem.
Essas crianças ricas não conhecem a felicidade de brincar num quintal, correr descalças na terra seca do chão, jogar bola, subir em árvores, colher frutas maduras, tomar banho de chuva, sentar no chão, dar topadas, cair e ralar os joelhos, mesmo arrancando chaboques,
Não veem os passarinhos voando e cantando, ao vivo e a cores, fora da televisão.
Quando, desde cedo, não vão para as luxuosas creches, onde passam o dia todo, os meninos ricos ficam entregues às babás. nem sempre qualificadas. Sentam-se em um quarto atapetado, arrodeado de brinquedos eletrônicos, sem apego a nenhum deles, diante da fartura de opções que tem ao seu dispor.
Não imaginam que, fora daquele mundo artificial de fantasias, existe um mundo natural, onde a natureza coloca fruteiras variadas, pássaros com seus cantos maravilhosos, sol, chuva, e uma terra seca para eles brincarem à vontade.
Quase sempre, usam sapatos ortopédicos, pois a mãe tem medo que seus pés entortem. E só conhecem as árvores, que passam apressadas atrás do vidro do carro do pai.
Certa vez, um menino rico ganhou um belo pássaro importado, que vivia preso em uma gaiola caríssima, e se alimentava do melhor alpiste e água fresca. Ele não entendia porque razão o pássaro vivia triste e não cantava, apesar da gaiola bonita e boa alimentação. Era a falta da liberdade, que Deus deu ao pássaro para voar.
Na inocência do menino rico, o leite vinha das caixinhas da padaria e não das vacas. Tinha muitos brinquedos, bolas coloridas, mas sempre brincava sozinho, dentro do quarto atapetado. Só via a rua através das grades de sua janela. Ouvia na televisão histórias que falavam de assaltos, sequestros, balas perdidas, e ficava com medo do mundo lá de fora.
Na realidade, as “gaiolas de ouro” geram pobres meninos ricos. São meninos tristes e “policiados” pelos pais ou babás 24 horas por dia.
Não tem liberdade nem contato com a natureza. Não comem cuscuz com ovo, a base da alimentação do menino pobre, e que dá sustança. Mas comem granola e outros alimentos sofisticados, da moda.
Enquanto isso, os meninos pobres, sem conforto em casa, não notam que são pobres, pois a maior riqueza que eles tem é a liberdade. Jogam bola, tomam banho de rio, sobem nas árvores e comem frutas frescas. E até acompanham a chamada do palhaço do Circo: “Hoje tem espetáculo? Tem, sim, senhor”!
Hoje, o menino pobre cresceu, cheio de sonhos de ganhar muito dinheiro, para comprar toda a felicidade que ele já tinha e não sabia. Trabalhou muito, juntou dinheiro, construiu uma casa, mas teve que colocar grades.
O menino rico cresceu querendo ser livre. Somente depois de homem feito, pôde correr descalço e descobrir que a felicidade estava nas coisas simples.
Vivo hoje a saudade do quintal da casa dos meus pais .e dos meus avós paternos em Nova-Cruz (RN), onde na minha meninice, eu subia nas goiabeiras e pinheiras, e ali mesmo comia goiaba e pinha à vontade.
A modernidade veio para destruir o lirismo dos quintais, das conversas nas calçadas e das esquinas.
Lana Bittencourt – POBRE MENINO RICO – Vargas Júnior-Oscar Bellandi – Ano de 1955