FUX E BARROSO VEEM RETROCESSO NO FIM DA PRISÃO EM 2ª INSTÂNCIA
RENATO SOUZA
Publicação: 17/10/2019 04:00
Na sessão de hoje falarão apenas defensores e opositores da prisão em segunda instância. Votos dos magistrados só serão conhecidos na próxima semana
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Um dia antes do início do julgamento em que o Supremo Tribunal Federal (STF) vai decidir se mantém ou não a possibilidade de que réus sejam presos após serem condenados em segunda instância, dois ministros da Corte adiantaram seus votos e disseram que a eventual mudança no entendimento da Corte representaria um retrocesso, favorecendo a impunidade. “A execução da pena depois de condenação em segunda instância funciona como um desincentivo para a criminalidade”, disse Luiz Fux. Para Luís Roberto Barroso, “os criminosos de colarinho-branco e os corruptos” serão os principais beneficiados, caso o STF modifique a jurisprudência sobre o assunto.
Os 11 ministros do Supremo se reúnem hoje a partir das 14 horas para analisar três ações que questionam a validade da prisão após a condenação dos réus em duas instâncias da Justiça. O julgamento será um dos mais importantes da história do STF. Uma eventual mudança do entendimento do tribunal pode beneficiar milhares de detentos em todo o país, inclusive condenados na Lava-Jato por crimes como lavagem de dinheiro e corrupção. Um deles é o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, que cumpre pena em Curitiba desde abril de 2018. O presidente do STF, Dias Toffoli, porém, adiantou que o julgamento não terminará hoje.
Nessa primeira etapa, ocorrerão as chamadas sustentações orais dos defensores da prisão em segunda instância e dos que são contrários a ela. Além de advogados representando os autores das ações e da Procuradoria-Geral da República (PGR), falarão também representantes de organizações que demonstraram interesse no julgamento. Dez organizações foram aceitas e tentarão moldar a opinião dos magistrados. Os votos dos ministros serão conhecidos somente a partir da próxima quarta-feira, quando o STF voltará a se reunir.
Para Luís Roberto Barroso, a prisão em segunda instância é fundamental para combater práticas criminosas. Segundo ele, nos últimos anos, o país “consagrou um ambiente de impunidade para a criminalidade do colarinho-branco”, o que fez com que o momento da prisão fosse sendo atrasado pelo Poder Judiciário.
“Primeiro, era primeiro grau, depois passou a poder executar depois do segundo grau. Em 2009, quando o direito penal chegou no andar de cima, mudou-se a jurisprudência para impedir a execução depois do segundo grau. Os efeitos foram devastadores para o país e para a advocacia”, disse Barroso. “Para a advocacia criminal, porque passou a impor aos advogados, por dever de ofício, o papel indigno de interpor recurso descabido atrás de recurso descabido, para não deixar o processo acabar. Portanto, a mudança melhorou o país, estimulou a colaboração premiada, permitiu que se desbaratassem as redes de corrupção”, completou.
Barroso observou, ainda, que, no caso dos condenados por crimes violentos, em muitos casos se justificará a manutenção da prisão preventiva, mesmo que a prisão em segunda instância seja derrubada. “Portanto, no fundo, uma mudança no entendimento da Corte vai favorecer os criminosos de colarinho-branco e os corruptos”, disse.
Luiz Fux salientou que a jurisprudência até agora mantida pelo STF segue padrões internacionais. Ele lembrou que a Justiça brasileira é lenta, e que atrasar o cumprimento da pena pode resultar em prejuízos para o ordenamento jurídico. “No Brasil, as decisões demoram muito para se solidificar. Eu considero que haverá um retrocesso se a jurisprudência for modificada. Além disso, em todos os países, a mudança de jurisprudência só ocorre depois de muitos anos, porque tem que se manter íntegra, estável e coerente”, afirmou.
O defensor-público-geral do Rio de Janeiro, Rodrigo Pacheco, que tambémparticipará da sessão de hoje, afirmou que, desde que foi permitida a prisão em segunda instância, foram prejudicadas as pessoas mais pobres. De acordo com ele, 25% de todos os habeas corpus apresentados no STJ têm sido acolhidos, o que revela falhas nas instâncias anteriores. “Temos que acabar com o mito de que a revogação da possibilidade de prisão em segunda instância só beneficia réus da Lava-Jato. As pessoas carentes que estão presas também têm acesso aos tribunais superiores”, disse.
Convulsão social
Em meio ao clima de expectativa pelo julgamento do STF, umcomentário feito em uma rede social pelo general Eduardo Villas Boas chamou a atenção.“Experimentamos um novo período em que as instituições vêm fazendo grande esforço para combater a corrupção e a impunidade, o que nos trouxe — gente brasileira — de volta a autoestima e a confiança”, disse. “É preciso manter a energia que nos move em direção à paz social, sob pena de que o povo brasileiro venha a cair outra vez no desalento e na eventual convulsão social.”
Plenário dividido
Veja como deve ser o voto de cada ministro, segundo posições manifestadas em julgamentos anteriores e declarações públicas:
Contra a prisão em 2ª instância:
Gilmar Mendes
Ricardo Lewandowski
Marco Aurélio Mello
Celso de Mello
Dias Toffoli (defende prisão após confirmação da condenação pelo STJ)
Rosa Weber
A favor:
Luís Roberto Barroso
Luiz Fux
Edson Fachin
Votos indefinidos:
Cármen Lúcia
Alexandre de Moraes
Possibilidades de resultado:
1 — STF mantém a prisão a partir de condenação em 2ª instância
2 — Ministros decidem que a prisão deve ocorrer após condenação no STJ
3 — Réu passa a ser preso somente ao final do processo, depois que todos os recursos forem analisados
Análise da notícia
A culpa é da Lava-Jato?
Plácido Fernandes Vieira
O viés que predispõe ministros do STF a determinar o fim da prisão em segunda instância não está no inciso LVII, do artigo 5º da Constituição. O objetivo primeiro, já ficou claro diante da ira pública de ministros da Corte, é destruir a Lava-Jato, a operação de combate à corrupção que ousou condenar e prender bandidos do colarinho-branco no país. O efeito colateral da decisão será transformar o Brasil numa espécie de paraíso da impunidade. Fortalecerá, também, o lucrativo negócio das grandes bancas advocatícias contratadas a peso de ouro — muitas vezes, com dinheiro surrupiado dos cofres públicos — para manter os intocáveis longe da cadeia. Privilegia-se, assim, o crime em detrimento da sociedade, que é quem mais sofre com a falta que esse dinheiro faz a hospitais, escolas, estradas, segurança.
No julgamento, ministros poderiam poupar o Brasil dos enfadonhos discursos em que jorra “notável saber jurídico”, às vezes invocando até a Bíblia, para defender o indefensável. Ninguém precisa de tanta sabedoria para entender o que dispõe o inciso LVII, do artigo 5º da Constituição. Basta ser alfabetizado. Lá está escrito: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Agora, prestem atenção: nem o STF nem o STJ julgam processos de réus sem foro privilegiado. É incumbência da primeira e da segunda instâncias. Logo, são nessas instâncias que o processo transita em julgado.
A partir daí, o que há são recursos extraordinários. E, na maioria das vezes, meramente protelatórios. Tanto é assim que, em países como os Estados Unidos, por exemplo, raramente um caso dessa natureza se estende além da primeira e da segunda instância. A Suprema Corte só é acionada em casos que envolvam desrespeito à Constituição.
Tem mais: o inciso que dispõe sobre prisão é outro: o LXII, do mesmo artigo 5º da Carta Magna. E o que diz? “Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.” Trocando em miúdos: a prisão pode ocorrer quando houver flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada do juiz. É o que ocorre, entende o ministro Luiz Fux, no caso do ex-presidente Lula. Mas como demover meia dúzia de supremos enfurecidos com a Lava-Jato do retrocesso que se avizinha e que envergonhará o Brasil perante o mundo?