Câncer, infarto, tuberculose. Esses são alguns exemplos dos diversos problemas de saúde causados pelo tabagismo. Mesmo com todo o conhecimento sobre as complicações desse vício, ele segue sendo alvo de investigações científicas e se revelando cada vez mais ameaçador. Um recente trabalho mostra, por exemplo, que o cigarro também pode acelerar o envelhecimento. A descoberta foi feita por americanos após uma série de análises sanguíneas de voluntários e do uso de técnicas de inteligência artificial. Especialistas acreditam que o resultado da pesquisa poderá incentivar as pessoas a se livrarem da dependência.
“O tabagismo é um problema real, destrói a saúde das pessoas, causa mortes prematuras e é, muitas vezes, o motivo de várias doenças sérias”, ressalta ao Correio Polina Mamoshina, pesquisadora sênior da empresa de biotecnologia Insilico Medicine, nos Estados Unidos, e uma das autoras do estudo, publicado recentemente na revista especializada Scientific Reports. No trabalho, a equipe se propôs a determinar as diferenças biológicas de idade entre fumantes e não fumantes, além de avaliar o impacto do tabagismo na bioquímica do sangue de voluntários.
Como primeiro passo, os cientistas realizaram uma série de análises em amostras sanguíneas de 149 mil adultos, homens e mulheres, com, em média, 55 anos de idade. Dos participantes, 33% (49 mil) relataram ser fumantes. A equipe focou em parâmetros bioquímicos que permitem quantificar a aceleração do envelhecimento biológico devido ao uso do tabaco, como hemoglobina glicada (a forma presente no sangue), ureia, glicose em jejum e ferritina (proteína relacionada ao ferro). “Essas métricas auxiliam no diagnóstico e no prognóstico de enfermidades associadas ao envelhecimento, como o câncer e doenças genéticas que resultam em envelhecimento precoce. A análise de biomarcadores pode permitir uma avaliação quantitativa do efeito de fatores ambientais, como o hábito de fumar, na taxa de envelhecimento biológico”, explica Polina Mamoshina.
Com base nas medições, descobriu-se que a idade biológica dos fumantes é muito maior do que a idade cronológica, em comparação aos que não são dependentes de cigarro. “Isso sinaliza que eles podem ter aceleração da idade e uma expectativa de vida mais baixa”, diz a pesquisadora. Ela também ressalta a identificação de diferenças substanciais em relação ao gênero. “As fumantes têm previsão para ser duas vezes mais velhas que a idade cronológica, em comparação às que não têm o vício. No sexo masculino, essa relação é de uma vez e meia”, diz Polina Mamoshina. Em uma segunda etapa, a equipe fez análises genéticas dos voluntários e chegou aos mesmos resultados.
A repetição das constatações chama a atenção da psiquiatra Helena Moura, doutoranda em psiquiatria pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e idealizadora do programa Viva Sem Cigarro. “No lugar de uma análise genética, os dados são de amostras sanguíneas, com as medições de glicose, entre outros parâmetros. É um método mais simples, que gerou os mesmos dados que a análise genética. Isso é possível porque sabemos que várias doenças estão relacionadas ao envelhecimento acelerado, como pressão alta e diabetes, que ocorrem com a chegada da idade avançada”, explica.
Segundo a médica, o trabalho avaliou um tema que tem sido bastante explorado na área científica: o envelhecimento acelerado. “É interessante, nessa pesquisa, o fato de os pesquisadores terem usado como base as descobertas feitas por uma mulher que foi ganhadora do Prêmio Nobel em um trabalho sobre os telômeros”, diz, fazendo referência à australiana Elizabeth Blackburn (Leia Para saber mais).
João Armando, psiquiatra e preceptor da residência médica na área de dependência química do Hospital das Forças Armadas (HFA), também enfatiza a importância de a pesquisa americana mostrar que o cigarro é um “mal global”. “Ele gera alterações genéticas, transformando a pessoa em uma idade mais avançada do que ela de fato tem”, frisa. Segundo o médico, os efeitos causados são semelhantes ao de outra substância perigosa: o álcool.“Seria interessante comparar tipos distintos de drogas para entender melhor os efeitos delas”, sugere.
Polina Mamoshina adianta que o trabalho terá continuidade, mas focando apenas na dependência ao tabagismo. “Agora, estamos trabalhando na avaliação do efeito das terapias de longevidade e de outras escolhas de estilo de vida, como dietas distintas, para ver se isso faria alguma diferença nas pessoas que têm esse vício”, diz.
A régua da vida
Em 2009, a bióloga australiana Elizabeth Blackburn foi uma das vencedoras do Prêmio Nobel de Medicina graças à descoberta dos telômeros — pedaços do cromossomo — e a relação deles com o envelhecimento. De acordo com a cientista, quanto menor o tamanho desse elemento gênico, maior é o envelhecimento de um indivíduo, o que faz com que os telômeros sirvam como um parâmetro dos efeitos da idade no corpo.
Durante a entrega do prêmio, a especialista os comparou aos acabamentos de cadarços. “Imagine o cadarço como sendo o cromossomo, que carrega a nossa informação genética. O telômero é essa pontinha que serve de proteção. Quando se desgasta, o material genético fica desprotegido, e as células não podem se renovar apropriadamente”, ilustrou. A cientista também revelou que mudanças de estilo de vida podem evitar esse deterioramento, como a realização de exercícios e uma dieta mais saudável.