FRÊMITOS
Cruz e Sousa
I
Arriba, abajo ó pombas luminosas
que passais neste mundo eternamente
só a cantar os madrigais de rosas,
atravessados de um luar veemente,
inundados de estrelas e esplendores, 5
de carinhos, de bênçãos e de amores.
II
Ó virgens peregrinas,
de meigo olhar banhado de esperanças,
que perfumais com lírios e boninas
a aurora de cristal das louras tranças, 10
que atravessais constantemente a vida
do sol eterno, da visão florida.
III
Amadas e felizes
gêmeas da luz das frescas alvoradas,
vós que trazeis nas almas as raízes 15
do que é são, do que é puro -ó vós amadas
prendas gentis do paternal tesouro,
iriados corações de fluidos de ouro.
IV
É para vós que eu quero
engrinaldar de tropos e de rimas, 20
num doce verso artístico e sincero,
esgrimir com belíssimas esgrimas
a estrofe e dar-lhe os golpes mais seguros
para que brilhe como uns astros puros.
V
É só a vós, apenas, 25
que eu me dirijo, límpidas auroras,
que pelas tardes plácidas, serenas,
passais, galantes como ingênuas Floras,
coroadas de flor de laranjeira,
noivas, sorrindo à mocidade inteira. 30
VI
Porque é de vós que deve,
de vós que o sonho eterno dulcifica,
partir o lume quando cai a neve,
surgir a crença poderosa e rica.
Porque afinal, o que se chama crença, 35
senão o amor e a caridade imensa?
VII
Os tristes e os pequenos
em quem descansam brandamente os olhos,
esses humildes, rotos Nazarenos
que vivem, morrem suportando abrolhos, 40
senão nos grandes entes piedosos
que dão-lhes força aos transes dolorosos?
VIII
Oh, sim que a força eterna
parte dos corpos rijos da saúde,
perante a lei da vida que governa, 45
o nobre, o rei, o proletário rude;
parte dos seres fartos de carinhos
como de paz e de alegria os ninhos.
IX
Eu peço para todos
e peço a vós que sois as fortalezas 50
da esperança, da fé -a vós que os lodos
da miséria, do vício, das baixezas,
não denegriram essas consciências
castas e brancas como as inocências.
X
Nem se esperar devia 55
que eu tentasse bater a outras portas,
quando vós sois o exemplo de Maria;
não andais mudas, regeladas, mortas
pela noite voraz da sepultura
e escutareis os dramas da amargura. 60
XI
Não julgueis que eu vos peça,
uma alvorada feita de um sorriso;
a minh'alma garante e vos confessa
que se crê nas mansões do Paraíso,
é porque vós reinais por sobre a terra 65
e o Paraíso dentro em vós se encerra.
XII
A vós, a vós compete
a glória do dever -porque assim como
a luz do sol na lua se reflete,
também das aflições no duro assomo, 70
da pobreza refletem-se nas almas,
vossas imagens, como auroras calmas.
XIII
Portanto, a mocidade
vossa, terá de ser de hoje em diante,
enquanto a esmagadora atrocidade 75
da peste -nos vorar d'instante a instante,
quem se há de encarregar desta manobra
do galeão da vida que sossobra.
XIV
E para isso, ó rainhas
da juventude -tendes as quermesses 80
que dão bons frutos assim como as vinhas;
as matinées de cânticos e preces,
os cintilantes, pródigos bazares
onde a luz salta extravasando em mares.
XV
Enquanto a mim, na arena 85
da heroicidade humana que consola,
oh, faz-me bem a vibração da pena,
pelo amor , pelo afago, pela esmola,
como um radiante e fúlgido estilhaço
de sol febril no mármore do Espaço!