Raimundo Floriano
Fred Williams e sua gaita
Na festa de minha posse na Academia Passa Disco da Música Nordestina, no Recife, o Padre Walter Azevedo, viciado gaiteiro, apresentou-me seu amigo Jeová da Gaita, exímio e consagrado instrumentista, que ali comparecera para prestigiar-me. Imediatamente, animei-me e falei que, desde a infância, eu também andara dando minhas assopradas, mas que nunca passara do bê-á-bá! Aí, Jeová interrompeu minha conversa para afirmar:
– Você não tocava gaita não. O que você tocava mesmo era vialejo!
Espantei-me! Até aquele momento, eu pensava que vialejo – corruptela de realejo – era um termo usado apenas pelos meninos matutos de meu sertão sul-maranhense. Pois ali estava um grande artista pernambucano que também o conhecia. Dali pra frente, nossa conversa correu frouxa.
Não houve menino de mina faixa etária que não ganhou um realejo, talvez o único brinquedo manufaturado daquele nosso rincão. Eu possuí vários. Tocá-lo era como qualquer outro ato corriqueiro, coçar-se ou respirar. Uns faziam-no bem, outro nem tanto.
Quando comecei, foi com esses comuns, fabricados pela Hering, em várias versões: Sonhadora, Gloriosa, Serenata, Yara, Tico-tico, todas sem chave, ou seja, os acidentes – sustenidos e bemóis –, o que impossibilitava executar uma carrada de músicas. De Asa Branca, por exemplo, só saía a primeira parte, não sendo possível tocar a introdução.
Em dezembro de 1951, meu irmão Bergonsil, o Chilim, me presenteou com o primeiro realejo com chave, já então chamado gaita de boca, o modelo Membi, 40 vozes, da Hering. Nessa mesma época, meu irmão Afonso Celso, que era gaiteiro contratado pela Rádio Brasil Central da Goiânia, me ensinou a fazes os baixos com a língua, um negócio muito complicado.
De posse da Membi e dominando a baixaria, aventurei-me na primeira música com acidentes de minha vida, uma ousadia sem igual: o choro Brasileirinho de Waldir Azevedo. Quem quiser saber como isso era dificílimo, tente!
Nesse ínterim, as rádios e as gravadoras incentivavam-nos a prosseguir investindo na gaita de boca, apresentando grandes astros internacionais, como o americano Johnny Puleo, o belga Toots Thielemans, e o brasileiro Eduardo Nadruz, ou simplesmente Edu, o Mago da Gita, que, em 1956, extasiou o Mundo ao gravar o Moto Perpétuo, de Paganini, pela vez primeira num instrumento de sopro.
E, logo após esse estrondoso feito de Edu, que encheu de orgulho o peito de seus patrícios, novo som me apareceu e me maravilhou, pois eu não conseguia atinar o modo como o novo artista do gênero na praça, chamado Fred Williams, conseguia tirar aqueles instigantes efeitos com sua gaita.
E só vim a saber o segredo daquele mistério, quando meu irmão Afonso, novamente veio passar férias em Balsas, trazendo pequena valise cheia de gaitas de boca, de vários tamanhos, modelos e escalas, uma delas enormes, como estas que Fred Williams adiante exibe:
Fred Williams e seu arsenal
Só então, compreendi aquele surpreendente, extraordinário, admirável efeito que tanto me baratinava. E só então, também fique sabendo que nas gravações de Fred Williams e Seu Conjunto, atuavam, no mínimo, três gaitas diferentes.
Nas gaitadas da vida, cheguei a possuir 3 Hohner alemãs, 48 vozes, a última das quais guardei tão bem guardada, que nunca mais consegui encontrá-la. Contento-me com uma similar, Hering Velvet Voice, também ótimo equipamento.
De todos os gaiteiros que conheci até hoje, eu reconheço estes dois como os maiores: Edu, no gênero erudito, e Fred Williams, no popular!
Edu, gaúcho de Jaguarão (RS), nasceu a 13.10.1916 e faleceu a 23.08.1982. O carioca Fred Williams, batizado Manoel Xisto, nasceu a 28.12.1926 e, pelo que me consta, ainda se encontra entre nós.
Para que vocês conheçam um pouco de seu virtuosismo e sua obra, disponibilizo-lhes estas faixas, solicitando muita atenção para o solo e a baixaria:
Baião da Serra Grande, baião de Fred Williams, uma das grandes recordações que guardo de minha juventude:
Uma Farra na Churrascaria, samba de Fred Williams:
Vou Tocar em Pernambuco, frevo de Fred Williams:
Coisinha Linda, rancheira de Maria Clara:
Barril de Vinho, polca de Fred Williams: