FRAGMENTO DE UM CANTO EM CORDAS E BRONZE
Álvares de Azevedo
Deixai que o pranto esse pallor me queime,
Deixai que as fibras que estalárão dôres
Desse maldito coração me vibrem
A canção dos meus ultimos amores!
Da delirante embriaguez de bardo
Sonhos em que afoguei o ardor da vida,
Ardente orvalho de febris pranteios,
Que lucro á alma descrida?
Deixai quo chore pois. — Nem loucas venhão
Consolações a importunar-me as dòres;
Quero a sós murmural-a á noite escura
A canção dos meus ultimos amores!
Da ventania ás rabidas lufadas
A vida maldirei em meu tormento
— Que é falsa, como em prostitutos labios
Um osculo visguento.
Escarneo! para essas muitas virgens
Como flòres — românticas e bellas —
Mas que no seio o coração tem arido,
Insensivel e estupido como ellas!
Quero agreste vibrar ruja-me as cordas
Mais selvagens d’est’harpa — quero accentos
D’aspero som como o ranger dos mastros
Na orchestra dos ventos!
Corre feio o trovão nos céos bramindo;
Vão torvos do relampago os livores —
Quero ás rajadas do tufão gemèl-a
A canção dos meus ultimos amores!
Vem pois, meu fulvo cão! ergue-te asinba,
Meu derradeiro e solitario amigo!
— Quero me ir embrenhar pelos desvios
Da serra — ao desabrigo...