O Estado de S.Paulo
02 Setembro 2018 | 20h22
Atualizado 03 Setembro 2018 | 05h53
RIO - Um incêndio de grandes proporções destruiu o acervo do Museu Nacional, na zona norte do Rio, na noite deste domingo, 2. Especializado em história natural e mais antigo centro de ciência do País, o Museu Nacional completou 200 anos em junho em meio a uma situação de abandono. Não houve feridos.
O Corpo de Bombeiros foi acionado às 19h30 e rapidamente chegou ao local, mas, na madrugada de segunda, o fogo permanecia fora de controle. Dois andares foram bastante destruídos, e parte do teto, de madeira, caiu. Segundo o comandante-geral do Corpo de Bombeiros do Rio, o coronel Roberto Robadey, o prédio não corre risco de desabar. As paredes externas do prédio são bastante grossas, diz ele, e, embora antigas, resistiram ao fogo. “Algumas partes internas desabaram”, afirmou.
Segundo informações do canal GloboNews, às 3h desta segunda-feira, já havia sido iniciado pelos Bombeiros o trabalho de rescaldo após apagar os últimos focos do incêndio. A equipe que trabalha no local trata de resfriar os escombros para, em seguida, fazer uma avaliação do estado do edifício e, finalmente, adentrar o museu.
O comandante dos bombeiros contou também que os dois hidrantes existentes ao redor do imóvel não funcionaram. Por isso, o combate ao fogo começou com atraso. “Tivemos de acionar a Cedae (companhia estadual de água e esgoto), que nos forneceu água. Agora tenho a certeza de que não faltará água, mas no início realmente tivemos problema”, afirmou.
Segundo Robadey, o prédio não tinha um sistema adequado de proteção contra incêndios. A legislação que exige esse tipo de estrutura é de 1976, quando o prédio já tinha mais de cem anos. Conforme o comandante dos bombeiros, há cerca de um mês representantes do museu procuraram os bombeiros para tratar da instalação de um sistema de proteção contra incêndios.
“Não vai sobrar praticamente nada. Todo o prédio foi atingido. Um absurdo o descaso e abandono que estava esse museu icônico. É como se queimassem o Louvre ou o Museu de História Natural de Londres”, lamentou o vice-diretor do Museu Nacional, Luiz Fernando Dias Duarte. Ele disse acreditar que restarão apenas a biblioteca central e as coleções de botânica e zoologia vertebrada, que estavam em prédio anexo. Bombeiros informaram que uma parte do acervo chegou a ser retirada antes de ser atingida pelo fogo.
“Uma catástrofe. São 200 anos de patrimônio desse País, são 200 anos de memória, tudo se perdendo em fogo por falta de suporte dos governos brasileiros e de consciência da classe política”, afirmou Duarte.
Quando o fogo começou, a visitação ao museu já havia sido encerrada e estavam no prédio quatro vigilantes, que não se feriram. Ainda não se sabe a causa do incêndio.
“Começou por volta das 19h30. Eu moro pertinho e, assim que soube, vim pra cá. É uma pena, acho que não vai sobrar nada”, afirmou o advogado Marcos Antônio Pereira, de 39 anos, enquanto acompanhava o combate ao fogo na mnoite de domingo. Entre os funcionários do Museu Nacional, o clima era de desespero. “Queimou tudo, perdemos tudo”, repetia uma mulher, aos prantos. Ela não quis se identificar.
Entre os funcionários que, sob lágrimas, acompanhavam o incêndio estava o bibliotecário Edson Vargas da Silva, de 61 anos, que trabalha há 43 anos no museu. “Tem muito papel, o assoalho de madeira, muita coisa que queima muito rápido. Uma tragédia. Minha vida toda estava aí dentro”, afirmou. O Zoológico do Rio de Janeiro fica bem próximo do Museu Nacional, mas não foi atingido.
O Museu Nacional, fundado por d. João VI, chegou ao bicentenário com goteiras, infiltrações, salas vazias e problemas nas instalações elétricas. Várias salas estavam fechadas por total incapacidade de funcionar. O espaço que abrigava uma das maiores atrações, a montagem da primeira réplica de um dinossauro de grande porte no País, fechou por causa de uma infestação de cupim.
Para chamar atenção para o problema, o paleontólogo Alexander Kellner, que assumiu a direção do museu este ano, transformou o antigo quarto de d. Pedro II – fechado havia 20 anos – em seu escritório. No cômodo antes majestoso, como mostrou o 'Estado' em abril, havia um lustre quebrado, móveis sem restauro, tábuas de madeira soltas no chão e infiltrações.
Em janeiro, professores de pós-graduação se uniram para pagar a passagem de ônibus da equipe de limpeza. Eles temiam que a sujeira afetasse o acervo, composto de material orgânico, sensível a micro-organismos.
Entre 2013 e 2018, o orçamento do Museu despencou de R$ 500 mil para R$ 54 mil. Segundo Duarte, o museu lutava há anos para obter recursos. Ele lembra que desde 2000, era pleiteado dinheiro para construir anexos que abrigassem as pesquisas que necessitam de preservação em álcool e formol, materiais inflamáveis. Só um anexo foi erguido com verba da Petrobrás.
O Museu Nacional, ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro, reunia algumas das mais importantes peças da história natural do País, como Luzia, o esqueleto mais antigo já encontrado nas Américas. Com cerca de 12 mil anos de idade, foi achado em Lagoa Santa, em Minas Gerais, em 1974. Trata-se de uma mulher que morreu entre os 20 e os 25 anos e foi uma das primeiras habitantes do Brasil. A descoberta de Luzia mudou as teorias sobre o povoamento das Américas.
Outra peça marcante do Museu Nacional é o meteorito Bendegó, o maior já encontrado no Brasil e que tinha destaque no saguão do prédio. Com 5,36 toneladas, a rocha é oriunda de uma região do Sistema Solar entre os planetas Marte e Júpiter e tem cerca de 4,56 bilhões de anos. O meteorito foi achado em 1784, em Monte Santo, no sertão da Bahia. Está na coleção desde 1888.
Em janeiro deste ano, professores dos cursos de pós-graduação que trabalham no Museu Nacional se uniram para pagar a passagem de ônibus da equipe de limpeza. Eles temiam que a sujeira afetasse o acervo, composto de muito material orgânico, sensível a micro-organismos.