RIO - A história real de uma jovem que decide abortar na França dos anos 1960 foi a grande vencedora 78ª edição do Festival de Veneza. Adaptação do livro autobiográfico de Annie Ernaux, o longa “L´ événement”, da francesa Audrey Diwan causou controvérsia e até um certo mal-estar na plateia, pela crueza de sua direção. Ainda assim, foi escolhido por unanimidade pelo júri presidido pelo cineasta sul-coreano Bong Joon-ho (de “Parasita”), para receber o Leão de Ouro, prêmio máximo do eventom na tarde deste domingo.
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Câmera na mão, a diretora mostra de perto as sensações e experiências da protagonista, interpretada pela atriz franco-romena Anamaria Vartolomei, uma das revelações do festival. Ainda que não mostre o aborto de forma gráfica, o longa colocou o assunto em pauta em Veneza com uma visão feminista e intimista. Nos anos 1960, o procedimento ainda era ilegal na França.
“Infelizmente, quando você trabalha com um assunto como o aborto, você sempre está na atualidade”, declarou Audrey Diwan, ao receber o prêmio. Ela sucede a sino-americana Chloé Zhao, vencedora no ano passado por “Nomadland”.
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“L Événement” é o segundo filme francês a vencer um grande festival este ano em dois meses — o outro foi “Titane”, de Julia Ducournau, que levou a Palma de Ouro em Cannes.
As produções do Netflix tiveram forte presença na premiação, com os premios de roteiro, direção e júri. As mulheres também brilharam. Além de Diwan, a neozelandesa Jane Campion ficou com o Leão de Prata e o prêmio de melhor direção por “The Power of the Dog”.
O prêmio de melhor ator foi uma surpresa. O filipino John Arcilla desbancou o favorito Toni Servillo, um dos rostos mais conhecidos do cinema italiano, e presente em três produções no festival. Arcilla conquistou os jurados por sua atuação no thriller “On the Job 2: The Missing 8”, de Erik Matti, em que encarna um jornalista que investiga o misterioso desaparecimento de seus colegas. O longa será lançado também em formato de mini-série na HBO Asia.
A estrela Penelope Cruz protagonizou um dos momentos mais emocionantes da cerimônia ao homenagear a sogra, Pilar Bardem (mãe de Javier Bardem) em seu discurso. Ela foi escolhida como melhor atriz do festival por seu papel em “Mães paralelas” de Pedro Almodóvar. O longa, que abriu o festival, joga luz nas dezenas de milhares de pessoas desaparecidas durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939) e as décadas de ditadura comandada pelo general Francisco Franco. Colaboradora frequente de Almodóvar, a atriz espanhola interpreta uma das duas mulheres que dão à luz em um hospital de Madri no mesmo dia.
“E’ stata la mano di dio”, em que o diretor Paolo Sorrentino volta ao trauma da perda dos pais na adolescência, recebeu o Grande Prêmio do Júri. O jovem Flippo Scotti, que encarna o alter ego de Sorrentino, foi laureado com o prêmio Marcello Mastroianni, dedicado a intérpretes em início de carreira.
A atriz americana Maggie Gyllenhaal, por sua vez, venceu o prêmio de melhor roteiro por “The Lost Daughter”, que ela também dirigiu.