Sendo assim, com 51 anos de atraso, chega às plataformas de streaming “Yo te amo”, disco com nove faixas de Tim soltando a voz em clássicos como “Azul color del mar”, “Cristina” e “Eu te amo”, cuja versão dá nome ao disco.
— O baú do Tim é sempre um mistério — diz Carmelo, que tem um escritório para guardar os pertences do pai, como as famosas camisas chamativas que ele usava nos shows e as marmitas que ele entregava quando trabalhava para a mãe, Maria Imaculada, ainda na Tijuca. — Estou organizando tudo há 23 anos, desde que ele morreu, e de vez em quando encontro umas pérolas.
Remexendo os pertences do pai, ele encontrou gravações em espanhol de dois períodos diferentes.
— Teve uma fase na década de 1990, da qual eu me lembro bem, mas dessa de 1970 eu não tinha a menor ideia — diz ele. — Hoje em dia, é muito comum brasileiros gravarem em espanhol, mas há 50 anos ninguém fazia isso. Ele era um visionário. Imagino que tenha mostrado para as gravadoras e ninguém tenha se animado a lançar.
Entre as músicas está também “Coroné Antônio Bento”. O nome é uma homenagem a Cassiano, velho amigo de Tim, autor de “Primavera” (que está no disco), além de “Eu te amo”.
— Eu tinha um encontro marcado com o Cassiano — conta Carmelo. — Consegui o contato dele com um dos músicos da Vitória Régia, e ficamos de nos encontrar depois de vacinados. Mas Deus não quis (Cassiano morreu no dia 7 de maio após anos às voltas com problemas cardíacos), então fica a homenagem a ele no nome do disco.
Segundo o herdeiro, Tim retomou nos anos 1990 alguns de seus projetos musicais de décadas anteriores.
— Ele começou a resgatar várias ideias. Muita gente me pergunta se ele estava pressentindo a morte (Tim morreu em março de 1998, aos 55 anos, de falência múltipla dos órgãos, após sentir-se mal em um show no Teatro Municipal de Niterói). Ele tinha, realmente, uma certa urgência, tanto que em 1995 me emancipou para que eu pudesse me tornar seu sócio na editora Seroma, que cuida da produção (e une as sílabas de seu nome, Sebastião Rodrigues Maia). Eu faria 21 anos em poucos meses, mas ele quis que fosse logo.
Embora Tim tivesse seu estúdio, o Vitória Régia, primeiro na Lagoa, depois no Recreio, uma gravação original, analógica, de 1970, não poderia ser lançada meio século depois sem uma recauchutada. Depois de encontrar e ouvir as nove faixas, Carmelo ligou para o engenheiro de som André Dias, especialista nesse tipo de trabalho, recomendado por Alexandre Schiavo, presidente da distribuidora Altafonte, responsável pelo lançamento.
— Eu estava dirigindo e parei o carro para falar com ele assim que ouvi o nome do Tim Maia — lembra André, que cresceu ouvindo o Síndico com a família. — É muito emocionante ouvir uma gravação de tanto tempo atrás que ninguém conhece, e foi um grande desafio.
Tecnologia para 'limpar' ruídos
“Mais eco! Mais delay! Cadê o som do baixo?”. Os bordões de Tim Maia em seus shows ecoaram na cabeça de André pelos sete meses em que ele trabalhou na restauração do áudio das fitas.
— Já fiz coisas complexas na minha vida, mas nada nesse nível — admite ele, que contou com uma tecnologia alemã para “limpar” os ruídos e resolver um problema que já virou nome de banda. — Tinha uma questão muito séria de azimute.
Além do cultuado grupo de jazz-fusion por que passaram músicos como Ivan "Mamão" Conti, Jota Moraes e Marinho Boffa (grafado, charmosamente, Azymuth), a palavra serve para descrever uma questão geométrica, usada com frequência na astronomia.
— A fita precisa estar perfeitamente perpendicular à cabeça do gravador, senão o som é captado com imperfeições, fica "empenado" — resume ele. — Usei um software específico para isso, que me permitiu "alinhar" o som.
No processo, a gravação analógica é transportada para uma versão digital, na qual o técnico pode corrigir defeitos, remixar e masterizar.
— Eu sentia a força da voz e da interpretação do Tim, era como se estivesse conversando com ele — conta o engenheiro de som, que anuncia que “Yo te amo” vai ganhar lançamento em CD e LP, além do digital. — Em várias ocasiões eu chorei, com medo de ele me dar uma daquelas broncas típicas dele. Alguns trechos estavam simplesmente apagados, tivemos que dar um jeito de restaurar.
Além das canções com o vozeirão de Tim (que em 1970, depois de alguns compactos, tinha lançado seu primeiro LP, levando apenas seu nome), mais violão e bateria por conta dele, a coleção tem músicos como Célio Balona no piano e órgão e Cynara, do quarteto em Cy, nos vocais de apoio. O disco tem erros e partes de conversas que vazaram para as fitas, deixados lá de propósito por André e Carmelo.
— O ruído da fita está lá o tempo todo, assim como esses detalhes, um papo deles sobre um copo... — ri o técnico. — Aquilo é um documento precioso, falei para o Carmelo que não poderia ficar de fora de jeito nenhum.
O ouvinte, então, deve estar preparado para (deliciosas) entradas em falso, um piano que toca depois do fim da música e a voz de um jovem Tim Maia no mais puro portunhol — que sabe, por exemplo, que sonho é “sueño”, mas não se toca que que sonhar seria “sueñar”. E quem se importa? Carmelo, nascido em 1975, em plena fase Racional, certamente não.
— “Eu sou Tim Maia” — diz ele, imitando a voz do pai. — Ele sempre fez o que quis, e eu tento pensar com a cabeça dele. O gordinho safado gravou esse disco em 1970, e finalmente a gente pode ouvir.
Enquanto lança “Yo te amo”, Carmelo pensa no futuro do legado do pai, em cujo baú ainda há gravações como um dueto com o guitarrista Celso Blues Boy (1956-2012), uma música da retomada do projeto hispânico dos anos 1990 e outras pérolas:
Além disso, um projeto previsto para antes da pandemia, segundo Carmelo, agora volta a ver a luz no fim do túnel: um musical sobre Tim Maia na Broadway.
— Eu ia para Nova York assinar o contrato quando a pandemia chegou e tudo parou — lembra. — Os investidores me procuraram, dizendo que era uma honra montar esse espetáculo. Vamos ver no que dá.