FESTA DO DIVINO PAI ETERNO
Raimundo Floriano
(Com dados da Wiquipédia)
Santuário Basílica do Divino Pai Eterno - Trindade (GO)
Festa do Divino Pai Eterno, também conhecida como Festa de Trindade, é um evento cultural que acontece anualmente em Trindade, Goiás. Trata-se de uma celebração religiosa tradicional que transcorre por nove dias, da última sexta-feira de junho ao primeiro domingo de julho, atraindo católicos de todo o país ao município. A festa é registro de um catolicismo popular, marcado pela romaria, sendo a maior peregrinação da Região Centro-Oeste e a segunda maior do Brasil.
O evento tem origem na década de 1840, quando o casal de lavradores Ana Rosa e Constantino Xavier encontraram um medalhão com a figura da Santíssima Trindade no então arraial de Barro Preto e se iniciou um movimento de devoção àquela imagem. Com o passar dos anos, a romaria se consolidou e continuou se expandindo, tendo passado por um processo de institucionalização no final do século XIX e adaptando-se às ordens eclesiásticas no decorrer do século XX. Desde então, inúmeros templos de adoração ao Divino Pai Eterno foram construídos e tornaram-se símbolo da festa, como a Igreja Matriz de Trindade, o Santuário Basílica do Divino Pai Eterno e o Novo Santuário Basílica.
O sagrado e o profano confundem-se na celebração. Há, de um lado, a novena e a piedade popular, marcada pelo percurso dos romeiros pelas vias urbanas e rurais — com destaque ao desfile de carros de boi —, e, de outro, programas não religiosos, como a instalação de barracas comerciais, jogatinas e parques de diversão. Altamente rentável para a cidade de Trindade,[1] em sua maior edição, em 2019, a Festa do Divino Pai Eterno recebeu mais de 3,2 milhões de turistas.
A história da Festa do Divino Pai Eterno remonta à década de 1840, quando o casal de lavradores Ana Rosa e Constantino Xavier encontraram, às margens de um córrego no arraial de Barro Preto, atual Trindade, um medalhão com a imagem da coroação de Virgem Maria pela Santíssima Trindade. A descoberta do ícone deu início a um movimento de devoção à figura do Divino Pai Eterno, que, gradativamente, se expandia e levava mais fiéis à região onde foi encontrado. O arraial estava situado no centro de Goiás e era, mais especificamente, freguesia da cidade de Campininha das Flores, que, anos depois, viria a ser Campinas, bairro de Goiânia. Inúmeros eram os deslocamentos de carros de boi vindos do interior do estado, transportando os sertanejos rumo à casa do casal aos sábados,[5] marca da tradição rural já nos primeiros anos da romaria.
Com a rápida expansão do movimento, Ana Rosa e Constantino Xavier perceberam que não havia mais como reunir todos os romeiros em sua casa. Assim, ambos construíram um rancho que abrangia o córrego onde foi descoberto o medalhão e, em 1843, foi oficialmente realizada a primeira festa. A celebração, naquele ano, contou com missas e procissões, além da presença paralela do comércio, que buscava arrecadar fundos para a construção de uma capela onde permaneceria exposto o medalhão. O sagrado e o profano simultâneos — práticas religiosas e comerciais — perduraram no decorrer da história, mantendo-se como uma das principais características do evento. O deslocamento ritualístico de carros de boi, as músicas interioranas e a chegada dos fiéis ajoelhados também já eram presentes na primeira edição da festa.
Em 1848, o casal de lavradores conseguiu erguer a capela desejada. A princípio, a capela, às margens do curso-d'água, era coberta com folhas de buriti. Tratava-se da primeira construção onde a figura da Santíssima Trindade ficaria à mostra para os devotos, transportada nas décadas seguintes para locais maiores. No mesmo ano, também se iniciou outra tradição: a festa transcorreria por nove dias, finalizando no primeiro domingo do mês de julho. Com esse intenso movimento de pessoas, a imagem do medalhão desgastou-se, e, em 1850, Constantino Xavier pediu ao escultor José Joaquim da Veiga Valle, de Pirenópolis, que produzisse uma réplica maior em madeira, também exposta ao público.
Outra capela, de alvenaria e coberta por telhas, foi concebida em 1866. Aos poucos, as construções do arraial acompanhava o crescimento do número de habitantes e de fiéis e a ampliação da romaria, por mais estradas e trilhos de Goiás, chamando cada vez mais pessoas à celebração anual. A Festa do arraial da Santíssima Trindade de Barro Preto, como era conhecida, avançava na segunda metade do século XIX, sob a permanência de ritos e superstições e a tradição da caminhada pelas terras goianas, com animais arreados, rosários, cruzes, bandeiras e seguidos pelas manifestações de piedade, registro de um catolicismo popular.
Ao constar a propagação das práticas religiosas, inclusive a própria festa, o bispo Joaquim Gonçalves de Azevedo incentivou a construção de uma capela ainda maior em 1888, administrada por uma comissão de leigos. Esse grupo se autointitulou a Irmandade, responsável pela organização de programas festivos no arraial, como missas, novenas e feiras livres. A festa, a cada ano maior, presenciava a solenidade ritual e a devoção em torno da imagem do Divino Pai Eterno ao mesmo tempo em que comércios, jogos de azar, cantorias e danças ocorriam ao ar livre.[2]
No entanto, após a nomeação do bispo Eduardo Duarte e Silva à Diocese de Goiás, a condução da festa sofreu algumas modificações. Estava por trás dessas mudanças o desejo de cristianizar a romaria e ter acesso ao dinheiro arrecadado no evento, decisões que entraram em conflito com a Irmandade e com lideranças locais.[16] Os eventos profanos e o desconhecimento da quantia movimentada pelo arraial foram a justificativa de D. Eduardo para tentar transformar a piedade popular num processo de santificação.
Barro Preto insignificante arraial só era conhecido pelos muitos milagres que a simplicidade do povo, atribuía não a Deus e sim (...) aquêle grupo de pequenas imagens e até que eu lá instalace os Padres Redentoristas, não passava de um lugar onde por doze dias acodiam negociantes de todo o Estado de Goiás, boiadeiros, mascates, mulheres de má vida, circos de cavalinhos e milhares de supertições, devotos que lá iam pagar as suas promessas, não poucas vêzes feitas para obterem de Deus cousas contra a moral Cristã: Vinganças, separações de casais, adulterios e etc.!
Quanta indecência! Quanta ignorância! Quanta ofença a higiene!
Segundo o então bispo de Goiás, a dança, os jogos, as bebidas e a prostituição que marcavam a festa popular precisavam ser excluídos de uma celebração cristã e, para tanto, necessitava-se de uma extrema institucionalização, que colocava à frente da organização do evento nomes oficiais da igreja. O padre Francisco Inácio de Sousa foi nomeado por D. Eduardo para administrar a capela e os movimentos à sua volta, e missionários redentoristas naturais do estado de Baviera, na Alemanha, foram levados para Goiás após uma viagem do bispo a Roma. Dentre os alemães que mais se destacaram nas missões a que foram colocados estão Antão Jorge Hechensblarkner e Pelágio Sauter, que foram figuras importantes para o levantamento de construções maiores que a capela. Coube aos missionários, além de divulgar a voz do catolicismo aos moldes formais da igreja, controlar os cofres públicos do templo e da região.
Na edição de 1896, tornou-se mais evidente as mudanças promovidas por D. Eduardo. A atuação dos missionários e padres redentoristas refletiu-se numa programação festiva que contemplava apenas o lado solene, restringindo a atividade dos comércios e, por consequência, as atividades de lazer a que estavam acostumados os romeiros. Esse novo cenário acarretou o descontentamento daqueles que frequentavam a festa e levou a um decréscimo de participantes nos anos seguintes. Além disso, as imposições do bispo também desagradaram autoridades locais e conduziram ao enfrentamento direto entre D. Eduardo e coronel Anacleto Gonçalves de Almeida.
Por conta dos conflitos, o bispo assinou em 1900 o Interdito, que prescrevia a interrupção do evento. Após pressão popular e coronelista, a decisão foi revertida em 1903, e a festa voltou a ocorrer com a presença simultânea do comércio e das práticas religiosas.
A ocupação desordenada e a população numerosa que transformaram a paisagem do pequeno arraial davam os contornos do que viria a ser a cidade de Trindade.[Nos primeiros anos do século XX, a festa continuou se desenvolvendo e foi essencial para a fundação do município em 1920. A Igreja Matriz de Trindade, construída em 1912, no mesmo local onde fora erguida a primeira capela com folhas de buriti, torna-se símbolo principal da peregrinação, o ponto de chegada dos romeiros que partem rumo à devoção ao Divino Pai Eterno. Cerca de 15 mil pessoas compareciam à festa nesta época.
Tradicionalmente, homem e mulher sertanejos do interior de Goiás preparavam-se em maio e junho para a romaria e deslocavam-se em carros de boi pelas estradas em busca do sagrado. Outros preferiam chegar à região isolados ou em grupos menores, por caminhadas ou ajoelhados sem a boiada. Pouco a pouco, os modos de se chegar à atual Trindade diversificavam cada vez mais, sem perder as tradições. Nos nove dias que antecediam o primeiro domingo de julho, uma espécie de feira-festa instalava-se no território, mantendo as práticas religiosas, já centralizadas pela presença da igreja, ao lado da movimentação popular, que montava nas ruas barracas que comercializavam produtos extremamente variados, como comidas, bebidas, artigos religiosos e até eróticos.
Com o crescimento da peregrinação, outra instituição foi planejada para recepcionar os romeiros. Em 1946, foi lançada a pedra fundamental do Santuário Basílica do Divino Pai Eterno por ordens do arcebispo Emanuel Gomes de Oliveira; as obras, no entanto, começaram apenas em 1957 por determinação de D. Fernando Gomes dos Santos. Planejada para receber 10 mil pessoas, a igreja foi inaugurada em 1974, doze anos após o início de sua construção. Percebe-se, portanto, a adaptação da festa às ordens eclesiásticas no decorrer do século XX, mantendo o catolicismo popular. Neste período, muitas foram as associações religiosas firmadas em Trindade, como o Apostolado da Oração, a União Filhos de Maria e a Congregação Mariana.
No século XXI, a festa passou a receber mais destaque no âmbito nacional, atraindo turistas de outros estados e sendo noticiada e televisionada no Brasil e internacionalmente. Tendo em vista o crescimento exponencial, em 2004, autoridades religiosas fundaram a Associação Filhos do Pai Eterno (Afipe), interessada em agrupar devotos e disseminar práticas cristãs por meio de vários projetos, como a TV Pai Eterno. Em 2016, procurou-se recolher assinaturas de romeiros para a visita do papa Francisco ao Santuário.[34] Em 2020, após décadas ininterruptas de realização, o evento foi cancelado em decorrência da pandemia de COVID-19. No ano seguinte, em 2021, com a permanência do período pandêmico, foi realizada virtualmente com programação reduzida.