Vinicius Nader
Publicação: 26/08/2019 04:00
O Brasil perdeu, na madrugada de ontem, a verve crítica, ácida e extremamente contemporânea de Fernanda Young. A atriz, escritora, apresentadora e roteirista teve uma crise de asma no sítio da família, no interior de Minas Gerais, e foi levada para o hospital em Paraisópolis, onde teve paradas respiratória e cardíaca e não resistiu. Fernanda Young tinha 49 anos de idade e deixa o marido e parceiro em muitas obras, Alexandre Machado, com quem teve quatro filhos. O corpo de Fernanda Young foi enterrado, ontem, em São Paulo.
Nascida em Niterói (RJ), Fernanda Young logo mostrou que tinha talento para as letras. O primeiro livro foi escrito aos 17 anos, mas nunca foi publicado. A escritora se preparava para, finalmente, lançar a obra como parte das comemorações pelos 50 anos, em agosto do ano que vem. Atualmente, Fernanda trabalhava em O livro, obra que deixa inacabada e que deve ser lançada postumamente, e nos ensaios da peça Ainda nada de novo, que estrearia em setembro em São Paulo.
Muito ativa, Fernanda nunca foi de fazer uma coisa só. Palavras como multifacetada e multimídia são comumente ligadas a ela, o que deixa claro o quanto a escritora era contemporânea. Essa característica aparecia e até mesmo definia a obra literária iniciada com Vergonha dos pés (1996) e que, extensa, ultrapassou os 10 títulos, entre os quais Tudo o que você não soube (2007) e A mão esquerda de vênus (2016). Temas como feminismo, globalização, relacionamentos ganhavam, na escrita de Fernanda, acidez e ironia.
Televisão
O humor corrosivo e corajoso de Fernanda logo ganhou as telas. Primeiro, como uma das colaboradoras de A comédia da vida privada (1995). Mas, ali, a série era baseada em outro autor (Luis Fernando Veríssimo) e Fernanda não pôde se mostrar por completo.
O telespectador conheceu e se apaixonou de vez por ela com Os normais, série escrita ao lado do marido, Alexandre Machado. Fernanda Torres e Luiz Fernando Guimarães davam vida a Vani e Rui, casal que nos divertia e nos levava à reflexão por meio de situações cotidianas. Foram três temporadas — de 2001 a 2003 — de muito sucesso. Tanto que deram origem a dois filmes, também roteirizados pela dupla.
Depois vieram outras comédias, a maioria com êxito e todas com a crítica social embutida. Entre elas, Os aspones (2004) fazia piada com o funcionalismo público, Macho Man (2011) brincava com o novo homem e com empoderamento feminino, e Vade retro (2017), que subvertia ao trazer Tony Ramos como o diabo. Em 2013, Fernanda e Alexandre foram indicados ao Emmy internacional pelo roteiro da comédia Como aproveitar o fim do ano. Recentemente, ela escreveu o seriado Shippados, estrelado por Tatá Werneck e Eduardo Sterblitch e disponibilizado no catálogo do Globo Play, serviço sob demanda da Globo.
Cara a tapa
Falar o que pensa nunca foi um problema para Fernanda Young, o que fazia com que o público, muitas vezes, tivesse a impressão de que estava diante de uma mulher amarga. Mas bastava prestar mais atenção ao sofá do Saia justa — a escritora participou da formação inicial do programa, em 2002 e 2003, ao lado de Marisa Orth, Rita Lee e Mônica Waldvogel — que estava ali o lado doce, tão destacado em depoimentos de amigos e colegas, ainda chocados com a repentina morte de Fernanda ontem.
Na mesma emissora, o GNT, Fernanda comandou talk shows provocadores e engraçados, como Irritando Fernanda Young, no qual ela brincava com a fama de mal-humorada — Fernanda não era de se levar a sério — e Confissões do apocalipse. As atrações foram ao ar entre 2006 e 2010 e em 2012, respectivamente.
Sem medo de se expor e com uma necessária análise crítica apresentada de uma forma sem ser chata ou massante, Fernanda vai fazer falta na televisão e na literatura. “Sou uma mulher de 50 anos que sonhou alto e realizou muito. E estou longe de encerrar a minha jornada nessa orbe! Aos que se interessam: bom proveito. Para os outros: estou pouco me lixando!”, escreveu no sábado em uma rede social.
Repercussão
Colegas e amigos se despediram de Fernanda Young nas redes sociais
"Como eu fui privilegiado em dizer o texto de Fernanda em Vade Retro, seriado que me deu tantas alegrias. Ela era escritora primorosa e pessoa adorável”
Tony Ramos
“Era uma pessoa maravilhosa. Devo boa parte dos melhores anos da minha vida a ela. É uma perda muito grande para o mundo artístico. Vou sentir muita falta”
Luiz Fernando Guimarães
“Fernanda foi uma mulher importante para as artes e para a sociedade. Conseguia fazer rir e pensar com a mesma intensidade”
Fábio Porchat
“O que vai fazer mais falta é a mente inquieta. Ela olhava para tudo que estava acontecendo ao lado e colocava isso no trabalho dela”
Zeca Camargo
“Sua jornada está longe de terminar e vai continuar. Suas palavras são fortes”
Tatá Werneck
“Triste notícia recebi hoje com a morte precoce da Fernanda Young, essa menina talentosa, de humor ácido e de tantos trabalhos excepcionais como escritora, roteirista, atriz, apresentadora, entre outros. Descanse em paz!”
Walcyr Carrasco
“Chocado com essa notícia. Fernanda Young, escritora talentosa, polêmica, divertida, autora (com seu marido Alexandre Machado) da melhor série brasileira até hoje, Os Normais, entre outros trabalhos. Uma pessoa bacana a menos no Brasil.
Hélio de La Peña