10 de dezembro de 2020 | 05h00
Foram quatro anos de turnê do disco Amor Geral, lançado em 2016 e o primeiro de inéditas de Fernanda Abreu em 12 anos – seu mais recente álbum de estúdio até então tinha sido o Na Paz, de 2004. Fernanda queria encerrar esse ciclo com o registro em DVD do show que viajou pelo País e iniciar as comemorações pelos 30 anos da carreira solo, tendo como marco o álbum SLA Radical Dance Disco Club, de 1990. Estava tudo pronto para a apresentação de despedida no teatro Imperator, no Rio, naquela sexta-feira, dia 13 de março de 2020. Ela, os músicos da banda, os bailarinos da Focus Cia de Dança, os dançarinos do Passinho do Funk, a equipe de gravação, todos já estavam a postos no local.
Duas horas antes do espetáculo, no entanto, chegou o decreto do governador do Rio, Wilson Witzel, atualmente afastado, determinando o fechamento de cinemas, teatros e casas de show por causa da pandemia. O público que já estava no teatro teve de ir embora. Fernanda, então, decidiu manter o show, mesmo sem plateia. O registro da apresentação será lançado nesta quinta, 10, no DVD Amor Geral – (A) Live (Garota Sangue Bom/Universal), que originalmente eternizaria uma turnê importante para ela, mas acabou se tornando um documento de uma época. De um mundo paralisado pelo coronavírus. Será exibido às 20h no YouTube da artista e, no mesmo horário, chega às plataformas.
Fernanda lembra do clima de incerteza que se instaurou nos bastidores com a notícia do fechamento do teatro naquela noite. Conta que tentou reverter a situação, mas foi em vão. “Eu me tranquei sozinha no camarim. Passou um filme na minha cabeça desde que eu fiz o primeiro show na Blitz. Falei: não tenho 38 anos de palco à toa. Vou fazer isso, vou fazer o DVD. A banda ficou superinsegura: o que será que ela vai fazer, o que a gente vai fazer, o que vai acontecer? Nesse momento, tive a frieza de tomar essa decisão. Não sair chorando ou me desestruturar e ficar desesperada”, diz a cantora e compositora, de 59 anos, em entrevista por Zoom ao Estadão, de sua casa, no Rio. Pesou também a experiência. “A gente já passou por muita coisa.” Ela acredita que o DVD tenha inaugurado, de certa forma, as lives musicais. “Esse formato que foi o único possível para nós da música, um show sem público”, observa.
O show começaria às 21h, como estava previsto. Antes, Fernanda conversou com equipe, músicos e convidados, com palavras de incentivo. O teatro tocou, então, os três sinais, alertando que o espetáculo teria início. Ela subiu ao palco e seguiu o show exatamente como tinha planejado, com a dança em lugar de destaque e repertório mesclando canções do ótimo Amor Geral, mote da turnê, como Outro Sim e Saber Chegar, e hits como Veneno da Lata, Rio 40 Graus e Garota Sangue Bom, e lados B. O show foi feito direto, sem interrupções. As músicas que precisavam ser gravadas novamente para o DVD ficaram para o final. Fernanda manteve a energia que lhe é característica, mesmo depois do baque – e diante da plateia vazia. “Imaginei o tempo todo que aquilo estava lotado.”
O começo do DVD traz o contexto em que o show foi registrado, fala do decreto. Após o show, os abraços afetuosos no camarim foram os últimos. O mundo entrava em quarentena sem prazo para acabar. A tristeza bateu quando Fernanda chegou em casa, por não ter conseguido fazer o show que idealizara, com uma plateia em êxtase. Ao mesmo tempo, estava tomada pela sensação de ter feito a coisa certa. “Se a gente não tivesse feito isso, nunca mais iria fazer. A gente ia perder o registro de quatro anos de turnê.”
Para Fernanda, este é um momento de desafios como artista, mas também de mergulhar de cabeça no trabalho. Fez lives, pensou em projetos. Além do DVD Amor Geral – (A) Live, dedicou-se a um disco de remixes inéditos de canções de sua carreira, com participação de diferentes DJs, que deve ser lançado no ano que vem. Para ela, não há sentido lançar agora um trabalho com essa atmosfera de baile, de pista. Ainda em seus planos estão uma exposição sobre sua trajetória, que também passa pela cultura urbana; um disco reunindo músicas que gravou para projetos de outros artistas; e um álbum com cantoras de novas gerações. “Eu ia fazer este ano. Eu tinha chamado Anitta, Ludmilla, Céu, Letrux, Alice Caymmi. Várias meninas com quem cheguei a falar, todas acharam superlegal. A ideia não seria cantar exatamente as músicas, mas pegar o título das canções e desenvolver músicas originais.” Mesmo adiados, todos continuam no seu radar.
Este foi ainda um período de mudanças. Por causa do isolamento, ela e o marido, o baterista Tuto Ferraz, por exemplo, passaram a viver juntos no Rio. O que até então não era algo que o casal planejava. Fernanda mora no Rio, Tuto, em São Paulo, e eles estavam há 8 anos dessa forma, com um viajando para a cidade do outro. Fernanda também enfrentou dores. No começo da pandemia, uma de suas filhas, a médica Sofia, de 28 anos, pegou covid. A filha se recuperou. No entanto, poucos dias depois de gravar seu DVD, a cantora perdeu o pai, que tinha câncer. “Sinto falta dele”, desabafa Fernanda, com voz embargada.
A pandemia, e toda a carga de sentimentos trazida por ela, trouxe ressignificações. Isso valeu para as canções do álbum Amor Geral, agora revisitadas no DVD. “Ficou mais atual do que nunca. É exatamente isso que a gente precisa neste momento: amor geral. O amor incluído com respeito, com empatia, com generosidade, com solidariedade”, afirma. “É isso que vai segurar a gente nessa doideira, as pessoas sem emprego, pirando, deprimindo, adoecendo e os parentes adoecendo. E o que a gente mais precisa é de amor, e amor geral, para geral, com geral. Foi uma coincidência de tema e de assunto. O Amor Geral ganhou de novo uma força.”
Veja trailer do novo DVD:
Veja a entrevista que Fernanda deu para a TV Estadão sobre o disco 'Amor Geral':
Veja o clipe de 'Outro Sim':